Panini esclarece uso de expressão transfóbica em HQ do Homem-Aranha
Em 2020 a Panini começou a publicar aqui no Brasil uma nova coleção chamada Marvel Saga, republicando runs aclamados dos principais heróis da editora. A primeira fase a ganhar destaque na coleção foi o Espetacular Homem-Aranha de J. Michael Straczynski, publicada originalmente nos Estados Unidos entre 2001 e 2007.
Mas logo no final do primeiro volume dessa coleção, os fãs foram surpreendidos por uma tradução bastante equivocada. Após derrotar o vilão Morlun com muito sufoco, o Homem-Aranha sai comemorando pelas ruas de NY.
A alegria de vencer o inimigo foi tanta que Peter Parker começou a ver a beleza das coisas simples da vida. Ele falou exatamente o seguinte: “A padaria é bela, o lixo é belo e as prostitutas são belas. Quer dizer … mais ou menos. Aquilo é um traveco?“.
A expressão equivocada em questão é “traveco“, que é uma forma pejorativa, historicamente ofensiva, de se referir a mulheres trans e travestis. É uma ofensa transfóbica, pois agride e desumaniza pessoas trans, além de tratá-las no masculino. Mulheres trans e travestis são identidades de gênero femininas.
A utilização da expressão é algo que merece ser apontado e questionado pois no original a Marvel usou “guy” (cara), a Panini utilizou por conta própria a expressão transfóbica. Confira:
É importante frisar também que a história original publicada pela Marvel em 2001 já era transfóbica, mesmo sem o termo “traveco”. Essa tradução incorreta apenas tornou tudo ainda pior. Pois o Homem-Aranha se refere a travestis como “aquilo” e fica subentendido que tudo na cidade é belo, menos as travestis.
A piada original coloca mulheres trans em uma posição de estarem “tentando enganar” as outras pessoas, como se estivessem “fingindo ser algo que não são” (no caso, mulheres. E elas são, de fato, mulheres.).
Veja bem, se a Panini não tivesse usado a palavra traveco, a história ainda seria problemática, mas a Panini nada teria a ver com isso. Ela teria apenas traduzido a história, não cabe a ela alterar o roteiro de uma HQ licenciada pela Marvel aqui no Brasil. Mas ao inserir a expressão “traveco” na trama, a editora se usou de uma expressão transfóbica.
Nós do Jamesons entramos em contato com a editora Panini para tentar entender o que aconteceu nessa situação, por qual motivo uma revista da Marvel foi traduzida com uma expressão transfóbica em pleno ano de 2020. A editora explicou que a HQ foi publicada e traduzida originalmente em 2002 e que o encadernado da Marvel Saga apenas republicou o mesmo material.
E aqui tem dois pontos a serem observados. O primeiro é que de fato, em 2002 não se havia uma discussão tão ampla sobre identidade de gênero, principalmente englobando a comunidade trans, como se tem hoje em dia. Já era ofensivo, mas a expressão “traveco” infelizmente estava muito mais normalizada e pouco problematizada do que se comparado aos dias atuais.
Mas o segundo ponto é que uma vez que no material original não constava a expressão “traveco“, mas sim “cara“, era responsabilidade da Panini ter identificado isso em uma revisão antes de republicar o material em encadernado. Em 2020 o termo salta aos olhos e é bem problemático.
Em nota a Panini se comprometeu a ficar mais atenta a essas “questões de gênero, bem como todas as causas que norteiam a nossa sociedade“. Também foi prometido que quando a revista for reimpressa, já estará corrigida essa tradução.
Confira na integra a declaração oficial da Panini:
“A Panini Brasil esclarece que as histórias presentes na primeira edição da Marvel Saga do Espetacular Homem-Aranha, publicada em 2020, foram originalmente publicadas e traduzidas em 2002.
Entendemos a necessidade de revisar as novas publicações, considerando a legitimidade das questões de gênero, bem como todas as causas que norteiam a nossa sociedade, por esse motivo estamos investindo na atualização e letramento de todos os editores e tradutores, com objetivo de eliminar o uso de termos incorretos.
Ressaltamos que o fato em questão não corresponde à política de marca da editora e, por ele, pedimos desculpas a todos os leitores e fãs dos quadrinhos. Repudiamos qualquer tipo de preconceito e informamos, por fim, que caso o material seja reimpresso, será feita uma readequação da frase.“
Segunda vez:
Essa não é a primeira vez que uma uma tradução antiga contendo expressões preconceituosas é republicada pela Panini. Recentemente na 11° edição da coleção A Espada Selvagem do Conan, a editora usou a frase “Agora por Crom… esses macacos vão sentir o gosto do aço!” onde deveria constar “Agora por Crom… vamos ver se não igualamos as coisas”. Confira abaixo:
O erro dessa vez é mais gritante por foi usada uma tradução muito antiga da editora Abril, que era famosa por alterar os roteiros e artes das HQs. E dessa vez a alteração foi racista pois colocou Conan chamando homens negros de macacos. Novamente isso não foi observado na revisão do material.
As duas situações ocorreram em revistas publicadas em 2020. E para 2021 a editora se comprometeu a ficar atenta a essas questões.
Mas e então, caro leitor, o que você achou dessa situação? Também estranhou ao ler a expressão “traveco” no gibi do Aranha? Deixe a sua opinião nos comentários.