O estranho caso da editora que parece não ser mais boa o suficiente

De uns tempos para cá, várias falácias foram criadas em torno da Marvel. Tem quem diga que a editora não faz mais histórias boas como antigamente, que a diversidade matou a criatividade e que os verdadeiros compradores de gibis não aprovam a atual Casa das Ideias. Tudo isso devido a fase “All-New All Different Marvel” ou ainda “Totalmente Nova e Diferente Marvel“.

O efeito manada e a bolha

A pressão em cima da editora por “clássicos contemporâneos” nunca esteve tão alta, como se todo gibi lançado precisasse alavancar vendas estratosféricas e abordar assuntos extremamente complexos.

Como quase tudo em nossa sociedade, a Nona Arte não está de fora do tão falado “Comportamento de Manada”, termo criado por Wilfred Trotter, em seu livro Insticts of the Herd in Peace and War, que remete ao comportamento de uma alcateia de lobos, um bando de pássaros e também aos seres humanos, quando tomam decisões baseadas no coletivo, fazendo pré-julgamentos e formando opiniões comuns.

A psicologia social fala sobre isso; essa maneira de agir quase sempre é explicada pelo medo que temos de não sermos aceitos pelo grupo, sendo melhor “seguir o bando” do que fazer algo diferente e correr o risco de ser deixado de lado. É importante destacar que muitas vezes as pessoas nem ao menos sabem que estão agindo dessa maneira.

Vivemos em um mundo intolerante e isso tem se intensificado cada vez mais. Devido ao algoritmo de redes sociais, estamos nos enfiando em bolhas sociais e convivendo com pessoas com pensamentos iguais. O reflexo disso é que não sabemos mais como lidar com uma oposição ou choque de ideias.

A intolerância contra os mutantes nunca foi uma analogia tão certeira, se comparada com nossa atual realidade. Foto: Marvel Comics.

Esse fenômeno sozinho parece sustentar o comportamento de “efeito manada“. Afinal, uma vez que estamos na bolha, um ambiente onde todos pensam igual, se alguém fala X, todos repetem X, ninguém cogita falar Y.

A situação fica ainda pior, pois nesse cenário ainda existem as fake news. A informação nunca esteve tão acessível aos usuários, mas muita gente ainda tem dificuldade de encontrá-la. Um exemplo é descobrir qual editora vendeu ou lucrou mais em determinado mês. O caminho mais correto é ir até o site da distribuidora, que é a fonte oficial (www.diamondcomics.com) e conferir pessoalmente os números, mas muitas pessoas preferem ir até grandes portais, que já dão a informação fazendo algum juízo de valor.

E vejam só, o juízo de valor mencionado acima, está alinhado ao pensamento do leitor. E como isso acontece? Porque o usuário está na bolha, e portanto frequentará apenas portais que replicam ideais com os quais ele concorda.

O reflexo nos quadrinhos

Individualmente, temos a necessidade de sermos aceitos no meio plural que vivemos, seja no trabalho, ou em ambientes online. Esse fenômeno está fortemente presente no cenário atual dos quadrinhos americanos de super-heróis.

Muitas boas histórias acabam se perdendo em meio a enorme onda de intolerância que se espalha pelo mundo. Um dos melhores exemplos que podemos dar é o da Harpia, de Chelsea Cain. Um gibi com uma narrativa interessante, um roteiro coeso e uma arte bem legal, que foi indicada ao Eisner Awards 2017 como Melhor Série Nova e também rendeu uma indicação individual a Chelsea como Melhor Roteirista. Mas você viu alguém falar sobre a HQ? Por se tratar de uma publicação de uma heroína feminista, uma onda de hate sobrepujou a publicação.

Harpia foi uma revista muito elogiada, cuja autora foi espantada dos quadrinhos por causa de comportamentos intolerantes. Fotos: Marvel Comics.

Outra história que não teve o prestígio que merecia por causa do marketing negativo criado em cima da editora, foi Surfista Prateado, ganhador do Eisner de Melhor História/Edição Única e também indicado como Melhor Série e Melhor Roteirista para Dan Slott.

Há ainda títulos como Garota Esquilo, outra história com indicações e vitórias no Prêmio Eisner, Raio Negro, Capitão América: Sam Wilson, Moon Girl and Devil Dinosaur, Mulher Aranha Felina, que são apenas alguns exemplos de histórias que acabam passando despercebidas do público médio. São revistas realmente muito boas e bastante elogiadas pela crítica especializada, mas que por envolverem heróis de diversidade acabam sendo ignorados por alguns grupos que aproveitam para semear o discurso de que a “Marvel não produz boas histórias“.

Outros trabalhos que merecem destaque são Velho Logan e Cavaleiro da Lua de Jeff Lemire e Thor e Dr. Estranho de Jason Aaron. Todas revistas que parecem ser constantemente “esquecidas do churrasco” na hora em que as “manadas” replicam o discurso de que a All-New All Different Marvel foi um fracasso.

Faça um teste, se você visualizar muitas pessoas ignorando essas elogiadas HQs mencionadas acima ou mesmo as criticando, pergunte quem de fato leu todas elas. Você provavelmente ficará sem respostas. Afinal, são pessoas repetindo um discurso que, para o ambiente delas, a bolha, essa é uma informação tratada como verdade absoluta.

Novamente o efeito manada

Quantas vezes você escutou que a Marvel carece de bons artistas ou que está perdendo os principais nomes para a concorrência? Esse é um dos discursos mais repetidos na internet após a saída de Brian Michael Bendis da editora.

Todos os autores a seguir já foram indicados a algum grande prêmio ou mesmo saíram vitoriosos ao longo das suas carreiras: Jason Aaron (Thor/Vingadores), Nick Spencer (Doutor Estranho), Donny Cates (Dr. Estranho/Thanos/Venom), Dan Slott (Homem de Ferro), Gerry Duggan (Deadpool/Guardiões da Galáxia), Tom Taylor (Wolverine/X-Men Red), Mark Waid (Capitão América), Ta-Nehisi Coates (Pantera Negra), Charles Soule (Demolidor e Surpreendentes X-Men), Saladin Ahmed (Exilados e Mercúrio), Ryan North (Garota Esquilo), Chip Zdarsky (Homem-Aranha e Marvel Dois em Um), G. Willow Wilson (Miss Marvel), Peter Milligan (Legião) e Gail Simone (Dominó)

Tem hater que parece nunca lembrar das boas HQs né? Montagem: Jamesons.

A falta de nomes de peso, os famosos “Dinossauros da Nona Arte”, acaba influenciando alguns leitores. Mas aí entra a questão principal: estamos falando de boas histórias ou sobre o quê? Novos escritores trazem consigo o frescor de novos tempos, em um nicho já beirando a falência de ideias e isso é mais do que necessário em épocas conturbadas.

Outro aspecto que reforça o “efeito manada” é a valorização da mulher. Já detalhamos em outro artigo todo o processo de dessexualização que as heroínas passaram, mas a ideia aqui é destacar como isso reflete no comportamento de uma parcela de leitores.

Por mais que muitos não admitam, ainda lhes é estranho ver mulheres em espaços que antes eram predominantemente masculinos. É alarmante como ainda não se pode falar abertamente sobre representação feminina ou mesmo feminismo nos quadrinhos, sem que surjam alguns usuários alegando que o machismo não existe. E obviamente esses comentários não costumam ser os mais educados.

A própria ideia de alterar visualmente algumas heroínas, tirando os biquínis sensuais e vestindo-as com uniformes táticos, parece incomodar muitos. Dificilmente quem reclama está preocupado com a história ou com o fato de que não faz sentido uma mulher saltar por cima de prédios com maiô. Na verdade, quem reclama provavelmente não leu a nova abordagem da heroína e apenas está chateado por não ver mais os enormes decotes estampados nas capas.

O antes e depois da “dessexualização” da Marvel. Montagem: Jamesons.

Mas se a pessoa não leu e está reclamando, qual o motivo desse comportamento? O “efeito manada”.

Felizmente o futuro da Marvel promete unificar os leitores, produzindo materiais tanto com os heróis clássicos quanto com os novos, que trazem muita diversidade. A nova fase, anunciada essa semana, promete colocar em prática a máxima de que os quadrinhos precisam ser para todos.

Texto: Diego Gustavo.

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