A série do Loki está para estrear e ela promete trazer uma série de discussões sobre a sexualidade e gênero do Loki, o principal personagem trans da Marvel. É bem possível que você, caso nunca tenha lido as HQs, não saiba disso, então vamos te explicar tudo nesse texto.
O Deus da Trapaça se popularizou pela sua versão no MCU, que lá no primeiro filme do Thor tinha uma caracterização conhecida como queer coding, que é quando uma obra atribui estereótipos gays a certos personagens. O blog Estonteante explica muito bem esse conceito, apontando como a Disney é famosa por usar o queer coding em seus vilões nas animações: “É uma tentativa de estabelecer oposição ao herói, que é mais forte, mais digno, mais másculo. O clichê vem justo dessa ideia machista a respeito do que é ser homem de verdade“.
A série do Loki promete mostrar várias versões do personagem, um elemento narrativo que está bastante presente inclusive nas HQs. Mas mesmo assim, acredito que muitos espectadores ficarão surpresos ao se deparar com a Lady Loki, versão feminina do vilão, nas TV.
Para entender toda essa discussão, precisamos estabelecer duas coisas. Primeiro vou trazer definições e noções sobre gênero e sexualidade para que possamos todos compreender o que é a transgeneridade. Depois, vou expor alguns fatos sobre a mitologia asgardiana, que serve de inspiração direta e material base para as histórias de Thor e Loki, para mostrar como tudo o que está sendo exposto nesse texto possui fundamento histórico e não é “lacração” das histórias atuais.
Pessoas trans são pessoas que não são do gênero que foram designadas ao nascer. Por exemplo, uma pessoa que nasce com uma vagina está designada pela sociedade a ser uma mulher, mas e se essa pessoa não se sentir como uma mulher? É o caso do ator Elliot Page, que algumas semanas atrás divulgou nas suas redes sociais uma foto sem camisa após a sua transição de gênero.
Atualmente existem duas definições para pessoas trans: binárias e não-binárias. As pessoas trans binárias são aquelas que são homens trans ou mulheres trans. É o caso de Elliot, ele é um homem trans. Já as pessoas trans não-binárias são aquelas que não são completamente nem homens, nem mulheres, ou quem sabe os dois, ou então um pouco de cada. Quem sabe?
E aí chegamos ao ponto em que você já deve estar revirando os olhos, achando isso uma grande besteira, né? Bom, Nick Nagari, no “Guia Básico da Não-Binaridade“, aponta que “todo gênero, enquanto rótulo, foi inventado em algum momento pra ser associado a corpos. A questão é perceber que manter o sistema de gênero da forma binária que ele é hoje contribui pra todas as opressões que ele sustenta.“
Abaixo colocamos um trecho da tirinha feita pela cartunista trans Laerte Coutinho, resumindo o texto sobre Teoria Queer, da autora Judith Butler, no livro Questão de Gênero (clique aqui para comprar). Caso queira ver o resumo completo da teoria feito pela Larte, clique aqui.
Pois bem, é aí que chegamos no Loki. Ele é um personagem trans e não-binário, pois ele é gênero fluído. “MAS COMO ASSIM?!“, você deve ter exclamado/questionado. Novamente citando o texto de Nick Nagarai, pessoas não-binárias podem ser “agênero (nenhum gênero), bigênero (2 gêneros ao mesmo tempo, não necessariamente homem e mulher) e gênero fluído (flui entre gêneros)“, por exemplo.
Gênero fluido, conforme o Glossário LGBT+, é a “pessoa que é ou se entende como mulher em algum momento da vida, homem em outro, e transita por outras identidades de gênero. ” E essa definição é mais do que perfeita para o Loki.
Apesar do personagem até então aparecer no MCU apenas na sua forma masculina, nos quadrinhos em diversas ocasiões ele utilizou um corpo feminino. Ou seja, ele fluiu entre s gêneros conforme a própria vontade. Por ter a habilidade de transformar o seu corpo, o personagem não teve dificuldades para se encaixar como um personagem trans.
Antes de reclamar da lacração e dizer que a atual geração perdida está estragando a sua infância, é importante frisar que há um importante precedente na mitologia nórdica que sustenta a transgeneridade de Loki.
Conforme os mitos nórdicos, um Gigante de Gelo disfarçado de homem se ofereceu para construir uma enorme parede para proteger Asgard. Em troca, ele queria a mão da Deusa Freya, o Sol e a Lua. Odin e outros deuses foram convencidos por Loki a aceitar a oferta adicionando uma clausula nesse contrato: a parede precisaria estar pronta em um determinado período. Se passasse esse tempo, o Gigante não receberia o que lhe foi prometido.
Com ajuda do seu cavalo Svadilfari, o homem estava conseguindo cumprir os prazos. Foi então que Loki bolou uma estratégia para atrasá-lo. O Deus da Trapaça assumiu a forma de uma égua e atraiu o cavalo para o bosque. Sem ajuda, o homem não conseguiu cumprir o prazo, ficou muito bravo, se revelou como Gigante de Gelo e foi derrotado pelos deuses.
No quadro abaixo, feito pela artista plástica Doroty Hardy, em 1909, podemos ver ao fundo Loki na sua forma de égua chamando a atenção do cavalo Svadilfari.
“Mas e o Loki? Ele atraiu o cavalo para o bosque, mas e depois? Como isso prova que ele é trans?” Bem, após alguns meses ele retornou para Asgard e deu luz Sleipnir, o cavalo voador de oito patas, que passou a se tornar a montaria de Odin.
Então sim, caro leitor, já nos contos nórdicos há a informação de que Loki assumiu a forma feminina e manteve relações sexuais com outro ser do gênero masculino.
Vale mencionar que Odin aparece brevemente montado em Sleipnir, no primeiro filme do Thor:
Nas HQs, além de toda a situação que originou o nascimento de Sleipnir, há duas passagens bem importantes que reforçam a transgeneridade e gênero fluído de Loki. A primeira foi na HQ do Thor de 2007, escrita por J. Michael Straczynski (Homem-Aranha) e desenhada por Olivier Coipel (Dinastia M).
Na ocasião, o evento Ragnarok devastou todo o panteão nórdico, matando todos os deuses e destruindo a própria Asgard. Mas Straczynski criou o conceito de que enquanto tiver uma única pessoa no mundo que se lembra dos deuses, eles não podem morrer.
Assim, pouco a pouco os deuses asgardianos foram retornando, suas almas estavam adormecidas em corpos humanos. E durante esse processo de retorno, Loki usou sua feitiçaria para se apoderar do corpo de Sif, assumindo a forma feminina de Lady Loki.
Seus propósitos eram ludibriar toda Asgard, sustentando a narrativa falsa de que estava em um novo corpo, com novos propósitos e não desejava causar problemas. Mas bem da verdade é que a vilã ficou muito confortável nessa forma e transitou entre os gêneros masculino e feminino algumas vezes.
Nesse período em que estava em um corpo feminino, Loki também fingiu ser a Feiticeira Escarlate para enganar os Vingadores. A verdade só foi exposta quando Clint Barton, na época o Ronin, tascou-lhe um beijo e através do próprio beijo identificou que não era a verdadeira Wanda.
A segunda passagem dos quadrinhos que reforça a transgeneridade de Loki foi em “Loki: Agente de Asgard“, de 2014. Logo após abandonar o corpo de Sif, Loki bolou uma estratégia para morrer e renascer. Deu certo, dessa vez voltou em um corpo de uma criança. Porém essa sua versão estava mais interessada em fazer o bem.
Não demorou para que um eco do clássico Loki, numa forma de um jovem adulto, matasse o garoto. Apesar disso, esse eco acabou ficando perdido, não era vilanesco como o Loki clássico, mas nem tão bondoso quanto o Kid Loki. O resultado? Um Loki muito semelhante ao do MCU.
Durante a saga Pecado Original, em 2014, Thor e Loki foram até o Parayzo, um dos 10 Reinos Asgardianos e onde vivem os Anjos. Lá eles encontraram Angela, uma filha perdida de Odin e, portanto, meio-irmã de Thor e Loki. Como esse mundo é controlado por uma soberania feminina, e os homens são escravizados e usados apenas para procriar, Loki usou seu poder de alterar a sua forma para assumir a aparência feminina ao longo do período em que ficou em Parayzo.
Acho válido destacar uma fala de Odin durante essa história, o momento em que ele se refere a Thor, Loki e Angela, ele diz o seguinte: “Minhas crianças. Meu filho, minha filha e minha criança que é ambos“. Isso é uma validação, do próprio Pai-De-Todos de Asgard, sobre o gênero fluído de Loki. Ele não é homem e nem mulher, ele é as duas coisas. O próprio Thor também sempre respeitou Loki quanto ao seu gênero, nunca desrespeitando ou questionando.
E vale mencionar ainda a revista Loki: Agente de Asgard #14, de 2015, nela o Deus da Trapaça decide adotar a forma feminina novamente, mas sem nenhum objetivo específico, apenas por vontade própria mesmo. E conforme a própria Loki: “Eu sou eu. No começo, no fim e para sempre.“
Confira os outros textos especiais do Mês do Orgulho que já postamos até agora:
– 10 grandes quadrinistas da Marvel que fazem parte da comunidade LGBT.
– Colorista da Marvel faz emocionante desabafo sobre representatividade nas HQs.
Mas e então, caro leitor, conseguiu compreender o que é transgeneridade e como Loki é o principal personagem trans da Marvel? Ficou com alguma dúvida? Deixe a sua opinião nos comentários.
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