Carta aberta para a Marvel: “Parem de transformar meus heróis em gays”

Hoje em dia, não interessa em qual grupo de discussão ou fanpage do Facebook, thread do Twitter, foto do Instagram ou área de comentários em portais de notícia que você for, se envolver algum nível de diversidade, você vai ler comentários como: “Eu não me importo que tenham personagens diversos, só não gosto que fiquem mudando a essência dos clássicos“.

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Isso se espalhou como um argumento válido entre a comunidade nerd. E quem escuta isso e não está atualizado com as notícias pode até pensar: “nossa, mas estão mudando tanto assim a etnia e sexualidade dos personagens?

A resposta é sim e não. Alguns personagens sim passaram por mudanças nos últimos anos nas histórias em quadrinhos. Mas isso não ocorre numa quantidade que justifique isso virar um argumento.

Como os diversos prints apresentados abaixo mostram, há uma narrativa bem clara sendo martelada de que os personagens estão sendo alterados em massa. No caso, heterossexuais estão virando homossexuais. Pessoas brancas ficando pretas. Ou mesmo homens se tornando mulheres.

É um pouco daquele lance da pós-verdade, sabem? Não interessa muito a verdade. Uma mentira, se repetida a exaustão, todos os dias, em todos os lugares e por todas as pessoas, em algum momento isso entra na cabeça das pessoas e passa a ser a verdade … mesmo que seja uma mentira.

Se você pedir para uma pessoa listar cinco casos de mudanças nesse sentido em HQs da Marvel, é possível que a pessoa fuja do debate e nunca mais lhe responda. Faço isso todos os dias e é infalível.

Isso ocorre pois com a exceção do Homem de Gelo, que foi revelado como homossexual nas páginas dos Novíssimos X-Men #40, revista de 2014, não há nenhum outro personagem de grande destaque da editora que tenha sofrido alteração.

Há situações pontuais, como por exemplo o Wolverine. Em 2014 ele morreu na minissérie “A Morte do Wolverine” e em 2016 a sua filha, a X-23, acabou assumindo o manto do pai até 2018. Algo passageiro, questão de uma fase da heroína.

Muitas pessoas reclamaram que mudaram o gênero do herói. Mas importante destacar, o Wolverine enquanto personagem não virou uma mulher. Trata-se da sua filha herdando o manto e honrando o legado do pai. Esse tipo de reclamação lembra muito o fenômeno dos leitores que não leem as HQs.

E isso nem mesmo é algo novo. Em 1983, mais precisamente em Homem de Ferro #170, James Rhodes assumiu o manto do Homem de Ferro após Tony Stark sofrer problemas alcoólicos.

Transformaram o Tony Stark num homem preto? Não. Foi James Rhodes, seu melhor amigo e outro personagem que passou a vestir a armadura.

O caso Nick Fury

A galera que pega o bonde andando e costuma se sentar na janela gosta muito de usar o Nick Fury como argumento de mudança de etnia de um personagem. Mas isso apenas denota a ignorância de quem usa essa falácia.

Nick Fury é um personagem criado em 1963. Ele é um soldado branco, cabelos escuros e com mechas grisalhas na lateral. Visualmente isso define bem ele.

Nick Fury original nos quadrinhos. Arte: Kris Anka.

Mas em 2001 a Marvel criou o Universo Ultimate, uma realidade alternativa onde a editora recriou o Universo Marvel, só que com o diferencial dele estar atualizado ao século 21.

Essa linha de publicações fez um ENORME sucesso e ela trazia várias diferenças em relação ao Universo Marvel 616, que é onde tradicionalmente ocorrem as principais histórias da Marvel.

Nesse universo Ultimate o Nick Fury não foi retratado como um cara branco com o cabelo grisalho nas laterais, mas como um homem preto. E o desenhista Bryan Hitch, nas páginas dos Supremos (os Vingadores desse universo) fez questão de desenhar o Fury com o rosto do ator Samuel L. Jackson.

Confira a arte do Hitch abaixo, feita em 2001 (7 anos antes do MCU surgir). Essa linha de histórias caiu nas graças do leitor, era ovacionada.

Então, quando o MCU começou a surgir e era necessário escalar um ator para viver o Nick Fury, quem melhor do que Samuel L. Jackson? Ele já havia inspirado o personagem no Ultiverso e tinha ampla aprovação dos fãs, além de ser um grande profissional.

Então quando argumenta-se que que transformaram o Fury em preto, isso é um equívoco. Apenas se inspiraram na versão Ultimate do personagem. E vale destacar, muitas das ideias do MCU veem diretamente do Ultiverso.

Viúva-Negra e Gavião Arqueiro estarem na formação original dos Vingadores, o Hulk ser uma tentativa de recriar o soro do super-soldado, a Tia May ser mais jovem e vários outros elementos são inspirados no Universo Ultimate.

Mas aí vai surgir um espertinho e falar: “Mas eu já vi o Nick Fury preto no Universo Marvel 616. E aí?

Sim, isso é verdade. Em 2012 a Marvel introduziu nas HQs o Nick Fury Jr., um filho do Nick Fury original (o branco e de cabelo grisalho nas laterais). “Ah mas como ele é preto se o pai é branco?”. A mãe dele é preta.

Nick Fury Jr. e Phill Coulson nos quadrinhos. Arte: Scott Eaton.

Resolvido. O Nick Fury não foi transformado em preto. No MCU ele apenas foi inspirado em outra versão do personagem e nos quadrinhos foi criado um filho para ele.

Eu falo aqui da Marvel pois é o foco no site, mas se formos para a DC é a mesma coisa. Eles também não estão mudando os seus personagens. Se na Marvel a galera só consegue citar o Homem de Gelo, na DC só conseguem citar o Alan Scott, o Lanterna Verde da Terra 2 nos Novos 52 que é gay (mas as versões das realidades pré e pós-crise seguem héteros).

Novos personagens

No geral esse mesmo pessoal também pede que sejam criados novos personagens, para que não se mude os antigos. E é exatamente isso que as duas editoras estão fazendo.

Foi assim que surgiram o Miles Morales, Miss Marvel, Amadeus Cho, Nova, Gafanhoto Vermelha, Wave, America, Coração de Ferro, Moon Girl, Wiccano, Hulkling, Gaviã-Arqueira, Viv e muitos outros.

Indignação seletiva

No cinema há mais mudanças de etnia, normalmente em personagens coadjuvantes, sem grande destaque. São os casos do Heimdall nos filmes do Thor, Dominó em Deadpool 2, Fantasma em Homem Formiga e a Vespa e outros.

O hate dos fãs com essas mudanças, mesmo que em personagens que não são protagonistas, é tanto que em alguns casos a Marvel precisa dizer que a personagem não é a mesma das HQs. Mas peraí, como assim?

Me refiro a Valquíria, interpretada pela atriz Tessa Thompson, que não é a mesma Valquíria das HQs. E a MJ, interpretada pela Zendaya, nos filmes ela não é Mary Jane, mas Michele Jones.

A galera argumenta que não se trata de ser um problema termos atores pretos nos filmes. O problema estaria na mudança na etnia, que mudaria a essência dele (como se a pele branca fizesse parte da essência de qualquer personagem, ao contrário dos pretos que possuem sim características históricas e culturais relevantes na sua raça).

Mas aí a gente lembra do filme dos Novos Mutantes. Essa mesma galera até hoje não abriu a boca para falar nada sobre a escalação do ator Henry Zaga para interpretar o mutante Mancha Solar, cujos poderes se manifestaram durante um ataque racista.

Ou então, ainda no filme dos Novos Mutantes, a atriz Alice Braga que estará dando vida a mutante Cecilia Reyes. Essas mudanças, curiosamente, não causam a indignação dos leitores. Curioso, não é mesmo?

E antes de finalizar, gostaria de deixar claro que sou completamente avesso a clickbaits, porém nesse texto eu achei necessário. Os leitores mais conservadores e intolerantes se topam com um texto cujo conteúdo eles já previamente deduzem que não vão concordar, eles não lêem.

E se essa galera não ler, se eles não se informarem, vão seguir compartilhando mentiras e a perpetuar essa narrativa falsa de que os heróis estão sendo mudados para acomodar diversidade.

Foi uma tentativa de atrair a atenção desse pessoal para que pelo menos iniciem a leitura e, com sorte, terminem de ler o texto.

Mas dito tudo isso, o que você acha da abordagem de editoras como a Marvel e DC quanto a diversidade? Poderia melhorar? Estão falhando em algum ponto? Ou estão acertando? Deixe a sua opinião nos comentários.

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