Vereadores do Rio de Janeiro usam HQ da Marvel para vetar Dia da Visibilidade Lésbica
Aconteceu novamente. Em 2019, pouco antes do começo da pandemia, durante a Bienal do Livro, o ex-Prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, tentou censurar a comercialização de quaisquer publicações com temática LGBT no evento.
A polêmica surgiu com uma HQ da Marvel chamada Vingadores – A Cruzada das Crianças, material publicado originalmente em 2010 nos Estados Unidos, em 2012 no Brasil e republicado em formato capa dura alguns anos atrás.
A história apresenta um grupo de jovens heróis, os Jovens Vingadores, boa parte deles filhos de heróis clássicos. E dentre os heróis estão Wiccano e Hulkling (clique aqui para conhecer melhor a história deles), um casal gay. Em determinado momento da HQ eles se beijam. Apenas isso. Não há qualquer conteúdo explicitamente sexual na revista.
Na ocasião, o youtuber Felipe Neto comprou todas as publicações com temática LGBT que estavam a venda na Bienal do Livro de 2019 e distribuiu de maneira gratuita para quem estivesse por lá. Foi realizada também uma manifestação contra o político e contra a censura que ele estava promovendo. Confira o ato no vídeo, gravado por Roberto Hidalgo, clicando aqui.
O assunto já estava morto e superado, mas voltou a fazer parte do cenário político da cidade do Rio de Janeiro. No começo da noite de hoje, enquanto os vereadores discutiam sobre o Projeto de Lei N° 8 de 2021, que “Inclui o Dia da Visibilidade Lésbica no Calendário oficial da cidade“, o assunto voltou à pauta.
O Projeto de Lei foi apresentado pela vereadora Monica Benicio (PSOL), que é viúva da ex-vereadora Marielle Franco, e na sua justificativa é apontado que trata-se de uma homenagem ao Projeto de Lei nº 82/2017, apresentado na época pela vereadora Marielle Franco, que fazia parte da comunidade LGBT e foi assassinada no dia 14 de março de 2018.
Em resumo, o Projeto de Lei apenas estipula a data comemorativa. A data a partir de então não seria feriado, seria apenas um marco no calendário para que a comunidade lésbica e LGBT pudesse usar para promover debates e reflexões sobre o tema.
Mas e a Marvel?
Onde foi que a Marvel entrou na pauta dessa vez? Pois então. O vereador Felipe Michel (Progressistas), durante o seu momento de fala na discussão do PL, argumentou: “O Prefeito anunciou que na Bienal do ano que vem não terá censura e elogiou Felipe Neto, um livro do Felipe Neto. Que ano que vem não vai ter censura. Que no ano que vem, o livro que foi barrado no ano passado estará liberado na próxima Bienal.
Então, vocês que são pais como eu, temos de ter cuidado quando a gente liberar pra ir na Bienal. Que livro que o nosso filho vai ter acesso? Eu não quero que o meu filho tenha acesso. Eu não quero que um professor coloque na cabeça do meu filho ou da minha filha o Dia das Lésbicas, o Dia do Gay, o Dia do Queer … eu não quero. É um direito que eu tenho de ter.“
O vereador ainda exibiu uma cópia do encadernado Vingadores: A Cruzada das Crianças, exibindo o beijo de Wiccano e Hulkling, alertando que a HQ mostra “um beijo e falas que … não é pra criança e para jovem“.
O vereador passou então a gesticular e gritar que é contra crianças terem acesso a um material onde dois homens se beijam. Porém, vale o registro, o parlamentar começou a sua fala na tribuna citando a bíblia, sugerindo que Deus ama a todos, mas condena os pecadores e nada comentou se também é contra beijos héteros, que estão presentes em livros infantis, animações infantis e qualquer produção voltada para crianças.
O vereador Alexandre Isquierdo (Democratas) também apontou que é contra a venda do livro a Cruzada das Crianças pois é um livro voltado para as crianças, afinal, é isso que o seu título diz: Cruzada das CRIANÇAS. Porém, o político está equivocado e desconhece por completo a HQ. A revista não é para o público infantil que está iniciando a leitura. Para esse público são recomendados gibis como os de Mauricio de Sousa (que já se manifestou publicamente contra a censura da Bienal). As HQs da Marvel são para o público a partir do infantojuvenil.
Uma editora como a Marvel Comics possui milhares de personagens, cada um com uma abordagem específica. O Homem-Aranha é um herói tradicional com um senso de responsabilidade e histórias que geralmente são recomendadas para todos os públicos, mas o Justiceiro é um vigilante violento que mata brutalmente os criminosos, por exemplo, uma leitura recomendada para leitores mais velhos.
Nos Estados Unidos, a Cruzada das Crianças recebeu a classificação indicativa de T+ (para crianças de 13 anos ou mais). No Brasil, apenas as publicações que apresentam violência explícita ou pornografia trazem um aviso de classificação indicativa para maiores de 16 ou 18 anos, conforme rege o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Não é o caso da revista Vingadores – A Cruzada das Crianças, que não conta com nenhuma cena de pornografia ou violência explícita.
O vereador Tarcísio Motta (PSOL) finalizou a discussão do PL criticando resgate do assunto da Bienal 2019: “É muito curioso voltar o debate da Bienal, onde a gente mais uma vez acha que um gibi onde dois super-heróis se beijam é um problema. Na verdade, aqui mais uma vez, quando a gente acha que um determinado beijo é correto e os outros são ‘uó’ e aí equivale um gesto de amor, um beijo, a um gesto de pornografia, então de fato o problema não está no gibi, mas na nossa cabeça.“
O projeto foi rejeitado na votação dos vereadores. Foram 22 votos contra, 19 favoráveis e pelo menos outros 9 parlamentares não votaram. O PL voltará para a pauta da Ordem do Dia da Câmara Municipal do Rio de Janeiro para votação em segundo turno na próxima quinta-feira (30).
Caso queira assistir a votação e a discussão completa DO PL, está tudo disponível no canal da Rio TV Câmara. A Ordem do Dia teve início por volta de 2h após o início da sessão plenária:
LGBT vs Pornografia
Para finalizar, gostaria apenas de deixar claro que duas pessoas se beijando não configura pornografia. Homossexualidade não é pornografia. Shrek, Branca de Neve, Frozen, Aladim, Pocahontas, Hércules, Tarzan … todas essas produções infantis exibe beijos entre casais heterossexuais. É o símbolo do amor.
Um beijo entre dois homens ou entre duas mulheres, da mesma forma representa o amor. Um casal gay não é obsceno, é um casal onde dois homens se amam. Um casal lésbico a mesma coisa, duas mulheres que se amam. Não tem nada a ver com sexo ou pornografia.
Essa insistência em relacionar a comunidade LGBT com obscenidades é uma forma de justificar que crianças não devem ter acesso a conteúdos com personagens gays, lésbicas, bissexuais ou trans, por exemplo. Mas diariamente, desde que se conhecem como gente, todos consomem conteúdos com casais heterossexuais.
Isso é uma forma (nem tão) velada de preconceito, onde se censura, ou tenta censurar, determinadas produções/obras por ser contra elas. Cria-se então uma narrativa, como nessa situação da Bienal. Quem escuta políticos conservadores, a revista exibe um show de obscenidade, quando na verdade tem apenas dois garotos de 16/17 anos se beijando. Só isso.
Queria deixar isso claro antes de encerrar o texto.
Mas e então, caro leitor, o que você pensa a respeito? Não é revoltante ver representantes do povo usando a bíblia para espalhar mentiras sobre os quadrinhos e, principalmente, sobre a comunidade LGBT? Deixe a sua opinião nos comentários.
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