Ascensão em queda: O sucesso fracassado da Capitã Marvel

Em 2012, Carol Danvers, personagem já antiga da Marvel, foi reinventada de Miss Marvel para Capitã Marvel. A mudança não se restringiu ao codinome, uma vez que toda a imagem e funcionalidade da heroína foram reestruturadas, levando-a a ser, para o público, um dos eixos da editora. No entanto, essa mudança veio acompanhada de muita controvérsia. Este texto revisa e discute o percurso de progressão da Capitã Marvel e avalia esse percurso como bem-sucedido e fracassado ao mesmo tempo (sim).

Nasce a Maravilha

Kelly Sue DeConnick escreveu suas primeiras edições de quadrinhos para a Marvel em 2010, mas foi em 2011 que ela escreveu seu primeiro trabalho de impacto. Osborn é uma minissérie de DeConnick e Emma Ríos que aborda as manipulações de Norman Osborn em um presídio. É uma série de que gosto muito e, provavelmente, deu alicerce à autora para escrever o nosso assunto de hoje: a revista Capitã Marvel.

A primeira edição de DeConnick protagonizada por Danvers foi lançada no segundo semestre de 2012, sendo desenhada por Dexter Soy. Defendo com todas as minhas forças que essa edição se insere num momento divisor de águas na história da Marvel, senão da indústria de quadrinhos.

Em primeiro lugar, ao mesmo tempo em que lançavam a primeira edição de Capitã Marvel, a saga Vingadores vs. X-Men precedia uma verdadeira revolução editorial e criativa na Marvel, a fase Nova Marvel. Paralelamente a isso, Brian K. Vaughn e Fiona Staples lançavam Saga, a série de quadrinhos mais bem elogiada da atualidade desde que foi criada. A novela de BKV e Staples incorpora o tratamento de questões sociais para dentro do universo fantasioso das histórias em quadrinhos, de forma parecida com um momento dos quadrinhos na virada das décadas de 60 e 70. Até hoje, experienciamos esse contexto, que substituiu histórias que se focavam em provar que a linha entre o heroísmo e a vilania é tênue, marcante das décadas de 90 e 2000. Na Marvel, a primeira revista moderna a incorporar questões sociais a sua narrativa é Capitã Marvel, nesse caso em específico o empoderamento feminino.

Em segundo e último lugar, já na primeira edição da revista de DeConnick, somos apresentados a uma ideia que marca boa parte dos títulos atuais da Marvel: legado. Carol Danvers torna-se a primeira heroína que assume um legado que não tem o caráter de substitutivo ou temporário, algo raro em quadrinhos e único na Marvel.

Capitã Marvel é pioneira como heroína de legado na Marvel. Foto: Divulcação.

Como DeConnick faz isso? As imagens de empoderamento feminino estão presentes em todo o run da autora. O machismo é abordado sem pudores, como é, cruel (lembremos que até o cabelo da personagem foi mudado de última hora por ódio dos “fãs”). Frente a ele, a protagonista é resistente por ser tão calejada com a agressão. A mulher resiste ao rótulo preconceituoso que impõem de secundária e assistente. Dentro de uma editora como a Marvel, com tão pouca representatividade feminina naquele momento, esse posicionamento foi muito funcional. O primeiro arco da revista trata de um grupo de aviadoras (imagem importante da mitologia de Carol Danvers: a aviação) na Segunda Guerra. Outras personagens importantes para a construção do protagonismo feminino na revista são Tracy Burke, ex-editora da revista Woman na Marvel, Wendy Kawasaki, que se torna secretária de Danvers, e Kit Renner, uma criança fã da Capitã Marvel. Por outro lado, o legado é construído por meio da inspiração vinda de Mar-Vell, o super-herói, Helen Cobb, a guerreira, Tracy Burke, a mulher e o passado de Carol, e Kit Renner, a inspirada.

É possível perceber que o que DeConnick faz é alçar Carol ao primeiro escalão dos heróis da Marvel, mas o foco principal da revista é abordar a reação de uma mulher por estar numa situação transgressora, pois ela assume uma posição num local prioritária e prototipicamente masculino. Na segunda parte do run de DeConnick ela volta o lado super-heroico de Carol para o espaço, tornando-a uma embaixatriz exploradora espacial, mas o foco principal se mantém. E esse foco DeConnick faz muito bem durante exatos três anos, encerrando sua passagem como começou: com as aviadoras da Segunda Guerra em Capitã Marvel e a Tropa Carol.

Em destaque, em desleixo

Muito bem, DeConnick abandonou a Marvel. Seu projeto bem delimitado criativamente acabou com começo, meio e fim e a Capitã Marvel havia se tornado relativamente relevante na editora. Sem mensal ela não poderia ficar. Enquanto os rumores do filme ganhavam corpo, a nova série por Michele Fazekas e Tara Butters, escritoras de Agente Carter, foi anunciada. Havia esperança para a série, as autoras eram bem-elogiadas e prometiam novidades. De fato, elas pavimentaram a situação atual de Carol Danvers, para o bem e para o mal. O run da dupla de autoras, em conjunto com Kris Anka na arte, acompanhou a Capitã Marvel como principal policial do planeta, líder pela nova Tropa Alfa, instituição responsável pela defesa e diplomacia da Terra.

Esse novo status levou a Capitã Marvel a ser a antagonista de Guerra Civil II, por Brian Bendis e David Márquez (sim, antagonista, ela estava errada e vilanesca). O grande problema da saga é a impressão – apesar de isso não ser oficialmente confirmado – de ser uma grande imposição editorial resultante do filme de tema parecido. Concomitantemente a isso, Fazekas e Butters abandonaram a revista da heroína, deixando-a nas mãos do casal Christos e Ruth Gage, em um run fraquíssimo, de arte precária, composto por tie-ins de Guerra Civil II. O run de DeConnick não é de extrema excelência, mas é isento de problemas grandes e inconsistência narrativa. O casal Gage marcou o início, no entanto, da brusca queda de qualidade criativa da Capitã Marvel.

No fim da saga, o casal Gage abandonou a revista, que foi relançada, pela quarta vez em quatro anos (um número ridículo para relançamentos), pelas mãos de Margaret Stohl, escritora americana renomada de romances. Stohl manteve o status consolidado por Fazekas e Butters e qualquer aspecto anterior da Capitã não é representado sob nenhuma ótica. O empoderamento feminino e o legado abordados por DeConnick se perdem numa trama insossa e muito confusa. A bagagem cronológica da personagem não é dominada pela autora de forma evidente. E o texto. Bem, o texto é ruim. Em GenerationsLegacy, histórias que focam o tema de legado, em que a Capitã foi pioneira, Stohl nos entrega uma história nada menos que deplorável, perdendo a oportunidade trabalhar a personagem no seu potencial maior, sua maior zona de conforto.

Margaret Stohl falha em trabalhar a cronologia existente e elementos novos. Foto: Divulgação.

Apesar de protagonizar uma revista mal vendida e mal escrita, Carol Danvers mantém tendo destaque exacerbado no Univero Marvel. Em Império Secreto, ela é relevante nas mãos de Nick Spencer, enquanto a nova fase da Marvel que abordará as Joias do Infinito também promete destacá-la.

Como uma personagem sucede com tanto fracasso? Temos uma ideia boa: uma mulher forte, que ocupa um espaço de protagonismo no seu universo, sendo pilar dos acontecimentos mais importantes, e que se reinventa como um legado. Infelizmente, a execução atual é um fracasso. Não é surpreendente a grande apatia dos fãs. Quando manifestam ódio contra Kamala Khan, Miles Morales e Lunella Lafayette, uma boa resposta para contrapor é: “Leia a revista deles.”, com Carol Danvers a tática não funciona e temos de nos calar, pois uma ideia boa é apenas uma ideia.

Mudanças virão, o filme da heroína se aproxima e o editorial da Marvel está se reformulando. Oremos para que nessas mudanças, Capitã Marvel seja beneficiada como revista.

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