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Dan Slott comenta o impacto do fandom na construção das HQs de heróis

O fandom nerd como um todo é bastante enérgico. E infelizmente por enérgico também quero dizer tóxico. Muitos fãs entendem que, por financiarem os filmes, livros, HQs, séries, games e afins, também são donos daquelas propriedades intelectuais.

Não é raro ver fãs extremamente indignados batendo boca, ofendendo e até mesmo ameaçando de morte os criadores envolvidos em produções que não estão alinhadas ao seu pensamento. Existem centenas de casos.

Nos quadrinhos, que é mais a nossa praia, para pegar alguns exemplos bem populares, temos: Chelsea Cain, que escreveu a HQ da Harpia em 2017. Tratava-se uma minissérie, de uma personagem bem coadjuvante da Marvel, mas na última edição da HQ a heroína apareceu com uma blusa se identificando como feminista.

Pronto, foi o suficiente para uma grande parcela machista dos fãs de quadrinhos tornarem a vida da autora um inferno com ameaças e mensagens de ódio nas redes sociais. Um ano depois, ironicamente, a HQ da Harpia foi indicada ao Prêmio Eisner. Ou seja, era uma ótima HQ, a preocupação dos fãs definitivamente não era com a qualidade da história.

Recentemente a roteirista Tee Franklin, que se denomina como uma autora negra, cadeirante, autista e queer, também recebeu muito ódio nas redes sociais por escrever uma HQ da Spider-Sun (Aranha Solar em uma tradução livre), uma variante do Homem-Aranha no Aranhaverso que usa cadeira de rodas e muletas. Aprofundamos esse tema lá no nosso Twitter, confere aqui.

A autora chegou a fazer um questionamento sobre o fandom nas suas redes sociais:

“Um carro e um porco – que NÃO SÃO HUMANOS – podem ser pessoas-aranha, mas uma HUMANA com deficiência não pode ser uma aranha porque tem deficiência, qual o sentido?”

A autora faz referência a atual saga Aranhaverso, onde além da Aranha-Solar, também tivemos o Buggy-Aranha (um carro), Rex-Aranha (um dinossauro) e o Porco-Aranha (um porco), mas as pessoas só incomodam com a heroína com deficiência.

Mas o comportamento tóxico nas redes sociais não é uma exclusividade de artistas mais diversos (apesar que concentrarem a maioria dos casos mais pesados de ódio). Recentemente, por exemplo, os autores Tom Taylor e Donny Cates, grandes nomes da indústria no momento, abriram mão, nos últimos meses, de boa parte do tempo gasto nas redes sociais.

A dupla argumenta que recebem muitas mensagens de ódio e que isso não faz bem para o psicológico. Então optaram por perder esse contato mais próximo com os fãs, mesmo que isso acabe eliminando também todo o carinho que recebem de fãs normais.

Mas eles não sumiram do Twitter, apenas passaram a postar menos coisas e a interagir menos com os fãs. Donny Cates, por exemplo, até brincou em fevereiro que a forma mais saudável de usar o Twitter hoje em dia é comentar algo polêmico/absurdo e então sumir por meses para evitar toda a repercussão negativa do fandom.

O depoimento de Dan Slott

É nesse cenário, com o fandom interagindo diretamente com o autor, para o bem ou para o mal, que chegamos no depoimento de Dan Slott sobre fãs organizados e como isso impacta na experiência profissional dos autores.

Dan Slott, pra quem não conhece, é escritor que mais revistas do Homem-Aranha escreveu na história e tem passagens memoráveis nas seguintes HQs: Mulher-Hulk, Surfista Prateado, Quarteto Fantástico, Homem de Ferro e Vingadores.

Abaixo vou transcrever toda a fala de Slott:

Tenho lido comentários [na internet] recentemente. É terapêutico — porque na real tem me convencido a NÃO ler mais os comentários. De lugar nenhum. Meu melhor trabalho aconteceu quando eu NÃO escutei a internet. É quando confio em meu editor, equipe criativa e vozes críticas que conheço e respeito.

Minha fase na Mulher-Hulk oscilou e saiu dos trilhos quando eu interagi com fãs hardcore dela e tentei escrever coisas para agradá-los. Eles queriam menos drama no tribunal e mais Mulher-Hulk agindo como uma super-heroína, lutando contra supervilões. Execute suas próprias ideias. Conte suas histórias.

Foi o que fiz quando Mike, Laura e eu estávamos trabalhando com o Surfista Prateado. Eu evitei principalmente os fóruns com fãs do Surfista e o que os seus fãs hardcore estavam dizendo online. Quando o gibi ficou pronto, voltei e li o que aquele canto estava dizendo

… eles acharam que nossa fase era muito boba. Eles pensaram que estávamos “desrespeitando” Norrin Radd. Que ele deveria falar mais como o Surfista do Stan [Lee]! Que ele deveria agir mais como o surfista de Ron [Marz]! Que ele não tinha a seriedade das fases de Surfista Prateado de antigamente.

Se eu tivesse ouvido esse tipo de comentário, se eu os tivesse levado a sério, ou tentado lidar com essas críticas para apaziguar aquele canto da base de fãs, eu teria realmente estragado nosso trabalho. Eu preciso levar essas lições a sério. Confie em seu próprio instinto e incline-se em sua própria voz.

Observações:

Eu amo como Stan escreveu o Surfista. Eu amo como Ron escreveu o Surfista. Eu amo como Donny escreveu o Surfista depois da nossa fase. Todo mundo tem suas próprias histórias para contar, e elas sempre funcionam melhor quando os contadores de histórias confiam em seus instintos e contam essas histórias com suas próprias vozes.

Esse foi o depoimento de Slott e devo fazer ainda dois adendos muito importantes. O primeiro é que a fase do Surfista do Dan Slott é maravilhosa e não foi a toa que ele venceu o Prêmio Eisner em 2016 na categoria “Melhor Edição Única” por Surfista Prateado #11.

Além disso, preciso registrar que uma das melhores coisas do grande trabalho do autor na HQ da Mulher-Hulk é sem sombra de dúvidas as edições e tramas envolvendo o tribunal e a sua vida como advogada. É o que a torna diferente de outras heroínas.

O que eu quero trazer de reflexão com esse texto aqui: não sejam preconceituosos, não sejam babacas. Um exercício muito simples para saber se você está sendo um imbecil é: se vocês fossem criadores, gostariam de ter fãs iguais a vocês? Espero que a resposta seja sim.

De todo modo, infelizmente diversos criadores estão se afastando das redes sociais e sendo psicologicamente afetados pelo ódio que recebem. Tomara que em um futuro próximo os fãs consigam equilibrar melhor essa paixão desenfreada. Deixe a sua opinião nos comentários.

Redação Jamesons

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