Harpia é muito mais do que uma HQ feminista injustiçada

Com a iniciativa Totalmente Nova e Diferente Marvel (All-New All-Different Marvel) em 2015, e a introdução da personagem Harpia na série Agentes da SHIELD, a Marvel buscou dar um título solo à personagem. Apesar da qualidade dos roteiros, a publicação enfrentou uma série de obstáculos com o público.

Capas dos dois volumes de Mockingbird. Foto: Marvel Comics.

A Casa das Ideias contratou a escritora Chelsea Cain, as artistas Kate Niemczyk e Joelle Jones e a colorista Rachelle Rosenberg para dar vida ao título. Chelsea é conhecida principalmente pelo thriller Heartsick que, publicado em 2007, se tornou instantaneamente um best-seller pelo New York Times, bem como suas sequências Sweetheart e Evil at Heart.

Assim como nos seus livros, Chelsea trouxe esse clima thriller para os quadrinhos. A revista coloca a personagem em uma história de ação e espionagem, ao mesmo tempo que encara uma jornada quase pessoal.

Com uma narrativa extremamente fluída e inteligente, a autora abusa do sarcasmo de forma muito eficaz, além de ótimos momentos de humor. As cenas de flashbacks e insights que ocorrem ao longo da história são muito bem utilizados e pertinentes para a trama.

Conforme a história caminha, Bobbi é colocada diante dos seus dois ex-relacionamentos, Lance Hunter e Clint Barton, o que nos mostra mais da humanidade da personagem e sua posição enquanto mulher e heroína.

Bobbi e Clint em um momento “Sr. e Sra. Smith” discutindo problemas da relação. Foto: Marvel Comics.

A história não é exatamente um título de super-heróis, e está mais para uma revista de espiões, aos moldes de de 007 e Bourne. A HQ também apresenta a Harpia aos leitores novos, destacando algumas das suas características que são usualmente pouco exploradas, como o fato dela ser ser PhD em Bioquímica, bem como o seu desejo de ser uma super-heroína, servindo de contraponto aos já estabelecidos ícones como Capitão América, Thor e Tocha Humana.

Bobbi percebendo que nunca seria um Super-Herói pelo fato de não ser homem. Foto: Marvel Comics.

O primeiro volume, I Can Explain, é um tenso e intrigante thriller com uma estrutura não linear, colocando o leitor junto da personagem numa espécie de quebra-cabeças. A história começa mostrando que a personagem precisa fazer exames periódicos para cuidar de sua saúde, tendo em vista o soro do super-soldado e a fórmula do infinito que existem em seu corpo.

A combinação do soro e da fórmula passa a agir de forma inesperada e Bobbi parece estar desenvolvendo outros poderes. Ela precisar organizar as suas obrigações como agente da SHIELD, aprender a lidar com os seus (novos) poderes e entender o que exatamente está acontecendo consigo mesma.

O segundo volume, My Feminist Agenda, é basicamente um análise pessoal de Bobbi Morse e seus relacionamentos com seu ex-marido, Clint Barton, e outro homem de seu passado complexo, o vilão fantasma/cowboy, Cavaleiro Fantasma. Os eventos deste arco ocorrem ao mesmo tempo de Guerra Civil II e explora as consequências do ato do Gavião Arqueiro na saga.

A história se passa em um cruzeiro com tema de super-heróis, cheio de cosplayers, onde Bobbi precisa descobrir se houve ou não uma armadilha para Barton ao mesmo tempo que precisa lidar com um assassinato ocorrido a bordo do navio. Conforme a personagem vai investigando, a leitura vai se aprofundando cada vez mais em seu passado e em sua vida privada, nos revelando ainda mais sobre essa personagem.

Cain coloca Bobbi não apenas como a personagem principal, mas como a narradora da história. Todos os acontecimentos da história são narrados e partem do ponto de vista da agente, e ela pode ser tão pouco confiável ou distorcer os eventos conforme o seu entendimento. Na maioria das vezes, isso é tratado com muito humor – e a revista está repleta de tudo isso.

O trabalho artístico como um todo é excelente. As artes de Kate Niemczyk e Joelle Jones são convidativas e adequadas para a revista. Kate, que trabalha com a arte interna, consegue transmitir muito bem os sentimentos dos personagens, representando na arte a linguagem corporal o que ajuda muito a fluidez da história.

Joelle, que trabalha como capista, traduz muito bem o teor das tramas. A arte de ambas não se confundem, mas dialogam entre si, não causando estranheza ao que somos apresentados. As cores de Rachelle Rosenberg são incríveis e muito vivas, o que destaca ainda mais os desenhos da Kate Niemczky.

Harpia salvando o dia e simplesmente não sendo reconhecida. Foto: Marvel Comics.

Harpia é uma dessas obras raras que surgem eventualmente, que equilibra um olhar profundo com muito humor e sarcasmos. O resultado é consistente na sua proposta e desenvolvimento, e apesar de alguns terem considerado a história mais do mesmo, ela foi devidamente indicada ao Prêmio Eisner de Melhor Série Nova (Best New Series).

Harpia é uma história boa o suficiente para manter a atenção do leitor. Com uma protagonista carismática e situações emblemáticas, é o tipo de revista que o meio dos quadrinhos precisa. É um trabalho acima de tudo, sobre uma personagem mulher e seu lugar nesse universo de super-heróis. E apenas uma mulher poderia oferecer esse olhar mais atento e delicado.

Esta análise considera os dois Volumes americanos de Harpia, Mockingbird Vol 1: I Can Explain (Mockinbird #1-5) e Mockingbird Vol 2: My Feminist Agenda (Mockingbird #6-8).

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