OPINIÃO: O Caso Bennett e a retaliação reacionária da esquerda


Gustavo Monlevad é mestrando na Escola de Comunicação da UFRJ, onde pesquisa cinema indígena. Quando quer uma leitura mais desafiadora fora dos textos do mestrado, lê gibis. É também redator fixo do Jamesons.


Este texto é mais especificamente direcionado para as pessoas que estão ameaçando o desenhista da Marvel Joe Bennett depois da lamentável afirmação sobre o caso Greenwald-Nunes. Mas pode ser útil para outros também.

Para quem não sabe o que aconteceu, Augusto Nunes, da Jovem Klan (opa, Jovem Pan, perdão), deu um tapa na cara de Glenn Greenwald, jornalista do The Intercept, depois de ser chamado de covarde. Não vou me alongar no caso, o que me interessa aqui são as consequências. Se quiser saber mais, sobre o caso, falamos sobre aqui.

É importante saber duas coisas antes de ler este texto opinativo: quem o redigiu é de esquerda, é comunista. E, sendo assim, é veementemente contra as ameaças que estão sendo feitas ao artista Joe Bennett.

Não sou contra a violência em todas as instâncias. Defendo o que chamamos de violência de resistência – retaliação a atos diretos de opressão – e violência revolucionária – coordenada coletivamente através de entidades (sejam partidos ou movimentos) pela implementação de um governo democrático-popular com o objetivo final de emancipação humana. Dito isto, sinto a necessidade de diferenciar as ameaças que estão sendo feitas ao desenhista Joe Bennett (ameaças físicas, principalmente, mas não só), como violência reacionária – a que reage não por auto-defesa de um grupo que está sendo oprimido ou por projeto político emancipatório, mas por simples paixão e retaliação imediata a um ato considerado moralmente duvidoso por determinados grupos.

Não estou aqui pra discutir moralidade. O Bennett foi babaca. Falou com a paixão reacionária pela qual ele já é conhecido na internet. Bennett foi eleitor do Bolsonaro e expressa regularmente desdém pela esquerda e pelo que ele entende como “comunistas“. Sendo assim, vou defende-lo usando comunistas reais (não os imaginários que os bolsominions adoram odiar): Leon Trotsky e Angela Davis:

Em seu texto de 1911, “Por que os Marxistas se Opõem ao Terrorismo Individual”, Trotsky define “terrorismo individual” como atos de retaliação individuais e não-organizados perpetrados sem um objetivo a curto-médio-ou-longo prazo que objetive colocar a classe trabalhadora no poder. Trotsky vai argumentar que os atos que chama de terrorismo individual – desorganizados e sem projeto – não só não tem nenhum efeito prático na criação da consciência de uma classe, como também podem prejudicar esse processo como um todo. No caso de Bennett, as ameaças contra o desenhista estão servindo para desarticular um movimento de luta e resistência social que tem se dado ao longo dos últimos anos dentro dos ciclos de quadrinhos nacionais.

Os “terroristas individuais” que estão ameaçando Bennett só estão criando resistência em relação à própria esquerda. Estão sendo chamados de extremistas e, inclusive, prejudicando a imagem da extrema esquerda real dentro desse pequeno núcleo específico. Nas palavras do próprio Trotsky, “para nós o terror individual é inadmissível precisamente porque apequena o papel das massas em sua própria consciência, as faz aceitar sua impotência e volta seus olhos e esperanças para o grande vingador e libertador que algum dia virá cumprir sua missão”. Devemos ser contra toda forma de violência reacionária e de retaliação porque essa não satisfaz. O caminho da emancipação humana vem através da criação de consciência de classe e a retaliação divide e coloca a classe contra si mesma, o que é inadmissível.

Ademais, o Joe Bennett costuma levar família para ajudar na CCXP (pelo menos foi assim nos últimos dois anos). Ao ameaçar o desenhista, você está também ameaçando pessoas que não tem absolutamente nada a ver com a situação (não que, como vimos, ameaçar quem tem a ver com a situação resolva qualquer coisa).

Quer ameaçar o cara onde dói? Não frequenta a mesa dele. Se organize com pessoas que pensam como você para também não frequentarem. Mostre seu repúdio não o prestigiando. Diabos, boicote O Imortal Hulk para que a revista não apareça nas estatísticas da Marvel, ou para a Panini não continuar publicando – mas saiba que tem outros profissionais trabalhando na revista que não tem nada a ver com isso. Ou então, e estou falando muito sério, tente conversar com o cara numa boa. Ele pediu desculpas, afinal. Isso pode parecer um pouco ingênuo, mas não é. É aí que entra Angela Davis.

No livro “Estarão as prisões obsoletas?”, Davis mostra o quanto um sistema punitivista baseado em retaliação é absolutamente ineficaz. Como militante pela abolição total das prisões, Angela oferece como alternativa políticas de reparação ao invés de simples retaliação. Argumenta que deveríamos tratar ofensas como questões de responsabilidade civil, não como atos passíveis a punição. Quando Bennett se manifestou publicamente pedindo desculpas – fossem essas desculpas reais ou motivadas pelo famoso “cu-na-mão” -, existe a percepção de que a forma como agiu originalmente não tinha ampla aceitação no tecido social, muito pelo contrário.

Existe aí uma possibilidade de reflexão e reparação do ato original. Pode parecer algo bem distante do que Angela Davis diz quando se refere a abolição do sistema prisional, mas não é. O que ela oferece são alternativas político-sociais, mudanças nas formas de pensamento coletivas para compreender essas ofensas como passíveis não de retaliação, mas de reparação. Ela propõe a saída de um ciclo vicioso de vingança e violência reacionária sem sentido, que só coloca os trabalhadores, as pessoas, contra si próprios. Se as desculpas foram reais ou não, é dado secundário.

O que importa é que gerou uma reflexão e uma tentativa de reparação. Se é suficiente ou se ainda é necessária a demonstração de repúdio (mas não de violência) por parte daqueles que se dizem “de esquerda” é outra história. O que devemos, acima de tudo, é ter a humanidade de dar o benefício da dúvida e a possibilidade de reparação, de fato, como projeto de uma sociedade melhor. Nos cabe, como sempre, exercer o papel das esquerdas de oferecer alternativas melhores ao invés de simplesmente buscar vinganças individuais.


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