Os X-Men enquanto personagens carregam consigo uma forte carga de discussão social e representatividade. São personagens que nasceram com o gene X, condição natural que lhes dá poderes e por isso sofrem preconceito.
Quando foram criados, lá na década de 60, tinham como analogia a situação da comunidade negra, que estavam buscando pelos seus direitos. Já atualmente, outra analogia que temos com os personagem é em relação a comunidade LGBT.
O que os mutantes, os negros e a comunidade LGBT têm em comum? São pessoas julgadas e odiadas por serem quem são. Pessoas que nasceram com o gene x, com com uma maior concentração de melanina na pele ou ainda quem ama pessoas do mesmo gênero.
Stan Lee, o roteirista co-criador dos X-Men, em entrevista em 2013, deixou claro as suas motivações ao criar o conceito da equipe. “Eu queria que eles fossem diversos. O principal objetivo dos X-Men foi tentar ser uma história anti-preconceito, mostrar que o bem e o mal existem dentro da mesma pessoa.“.
Stan Lee em diversas vezes já demonstrou ser uma pessoa empática. Em um vídeo divulgado em 2017 pela Marvel, após a editora sofrer fortes críticas por dar destaque para personagens diversos, Lee falou:
“A Marvel sempre foi e sempre será um reflexo do mundo logo depois das nossas janelas. O mundo muda e evolui, mas uma coisa nunca mudará: o modo como contamos as nossas histórias de heroísmo. Histórias para todos, independente de sua raça, gênero, religião ou a cor da sua pele. Histórias que não dão lugar ao ódio e a intolerância“
LEE (2017)
E para entender a empatia, usamos a definição de Ferreira, Doutor em Saúde Coletiva, no seu artigo “Seria a moralidade determinada pelo cérebro? Neurônios-espelhos, empatia e neuromoralidade”:
“A empatia é a capacidade de se colocar e simular a perspectiva subjetivado outro para compreender seus sentimentos e emoções. É uma resposta afetiva deflagrada pelo estado emocional do outro e uma compreensão dos estados mentais da outra pessoa.”
FERREIRA (2011)
Complementando essa interpretação da empatia, temos o entendimento de Pereira, Mestre em História Social, no seu artigo “Algumas reflexões sobre o conceito de empatia e o jogo de RPG no ensino de história”:
“A empatia faz surgir no observador não a mesma dor, mas a ideia próxima do que o outro sente e nossa vontade de protegê-lo. Sem este sentimento não sentiríamos a necessidade de proteger o outro, pois não conseguiríamos compreender sua necessidade de ajuda.”
PEREIRA (2013)
Convenhamos, EXISTE ALGO MAIS X-MEN DO QUE ESSAS DEFINIÇÕES DE EMPATIA? Os mutantes sempre foram os personagens marginalizados e os X-Men um refúgio para essas pessoas.
Inclusive, quase como um inception, dentro da franquia também existe essa discussão, com um grupo de mutantes que são ainda mais marginalizados: os Morlocks.
Mas não vamos perder o foco, esse texto é sobre X-Men Red. A revista com roteiro de Tom Taylor (Novíssima Wolverine) e arte de Mahmud Asrar (Hulk), Carmen Carnero (Capitã Marvel) e Rogê Antonio (Batman & Robin).
A HQ teve início com Jean Grey montando uma nova equipe de X-Men após o ódio contra os mutantes começar a crescer de forma alarmante. Então o grupo formado por Jean Grey, Wolverine, Honey Badger, Namor, Trinary, Gambit, Tempestade, Noturno e Nehzo precisa descobrir o que está alimentando essa onda de intolerância.
A vilã Cassandra Nova iniciou um ataque massivo contra os mutantes. Ela desenvolveu um vírus “sentinita”, que funciona como nano-sentinelas que infectam as pessoas, despejando os sentimentos de ódio e medo diretamente no cérebro. Como resultado, qualquer pessoa infectada passará a ter uma vontade absurda de matar mutantes.
Mas claro que essa não foi a sua única frente de ataque. Já falamos sobre isso no site, mas para inflar ainda mais a comunidade contra os mutantes, Cassandra investiu em produzir notícias falsas nas redes sociais. Fake news que inflam as pessoas e promovem discursos de ódio.
Como resultado, além das pessoas programadas para matar mutantes, também começaram a ocorrer manifestações anti-mutantes, feitas por pessoas manipuladas pelas fake news.
Após manipular a opinião pública contra os mutantes, fazendo as pessoas crerem que eles são perigosos e precisam ser identificados e caçados, Cassandra passou a vender as sentinitas para governos. O argumento foi muito simples: se é de conhecimento que os mutantes são um perigo, ela ofereceu a versão nano dos sentinelas como uma forma de identificar as pessoas com gene x.
O que convenhamos, é uma narrativa bastante simples. Primeiro se convence a comunidade que uma classe de pessoas são perigosas e então depois vende-se produtos que permitirão a eliminação desse pessoal. Qualquer analogia com a marginalização da comunidade carente brasileira e a liberação do porte de armas é uma mera coincidência.
O primeiro país a adquirir de forma oficial os sentinitas foi a Polônia e particularmente não acredito que a escolha do país, por parte do escritor Tom Taylor, tenha sido uma coincidência.
Conforme manchete do site BBC em fevereiro de 2018: “Lei protege Polônia de acusações de conivência com crimes nazistas e cria mal-estar diplomático“. E como a HQ saiu em maio de 2018 …
O resultado dessa decisão do governo polonês nas HQs? Centenas de mutantes precisaram fugir às pressas do país. Mas o exército tentou impedir e talvez tivesse conseguido, se não fosse a interferência certeira dos X-Men.
Só que os X-Men não entraram em confronto com os poloneses. Enquanto a equipe inteira defendia os mutantes civis, Jean Grey usou sua telepatia para mesclar a mente dos soldados com as das vítimas que queriam fugir do país.
Durante a HQ, Jean explica exatamente o que fez: “Simplesmente fundi as mentes dos soldados e dos mutantes por um instante. Mostrei-lhes o outro lado da moeda. E naquele momento, ao invés de monstros, cada soldado experimentou como era ser aquelas pessoas que estavam diante deles, com esperanças, culpas, medos e sonhos. Os soldados viram a verdade por trás da narrativa intolerante do próprio governo, e a maioria deles optou por fazer a coisa certa. Já estive em mentes o suficiente para saber que as pessoas não são verdadeiramente maldosas. São apenas preventivas, desinformadas e assustadas. Seja lá quem esteja alimentando este ódio (Jean não sabia que a vilã Cassandra estava por trás de tudo), é assim que enfrentaremos. É assim que nos posicionaremos. Vamos esmagar as suas mentiras. Vamos rechaçá-las com a verdade.“
O que a Jean Grey fez com os soldados foi basicamente lhes dar empatia. Ela deu motivos para que os soldados se importassem com os mutantes. Fez eles sentirem-se no lugar do outro. Eles estavam alienados pelas mentiras e fake news que lhes contaram, mas viram a verdade no momento em que entenderam a dor do próximo.
A chave então para deter Cassandra Nova é a verdade. Mostrar para as pessoas que elas estão acreditando em fake news, estão sendo manipuladas.
Jean Grey, assim que descobre que é Cassandra a inimiga provocando todo esse ódio tenta dialogar com ela, mas falha. A vilã é puro ódio e medo.
Sendo assim, a história caminha para seu clímax. Cassandra divulgou um vídeo fake onde Jean Grey aparece promovendo discursos supremacistas para os homo superior, menosprezando e prometendo a morte dos humanos.
O vídeo imediatamente é desmentido pela Trinary, que possui o poder de manipular a tecnologia. Porém, conforme a própria Tempestade apontou, o estrago já estava feito. Campanhas de notícias falsas mexem com o fanatismo, então mesmo que a verdade seja esclarecida, ainda terão pessoas acreditando com todas as suas forças na mentira. O que configura um caso de pós-verdade, que é quando a opinião pública reage mais a apelos emocionais do que a fatos objetivos.
Na sequência, Cassandra sequestra telepaticamente os exércitos de diversos países que adquiriram os sentinitas e os leva para Genosha, o país mutante abandonada que ela usa como base.
A sua estratégia é a seguinte: os X-Men precisam resgatar os soldados, mas devido a narrativa construída pela vilã na mídia, no momento em que os mutantes chegarem no país para salvar os reféns, a ação será encarada como um ataque internacional.
Eis então a estratégia dos X-Men para enfrentar a narrativa de Cassandra: pediram o apoio de Tony Stark para produzir elmos do Magneto em massa, afinal eles são imunes a telepatia de Cassandra.
E para deixar claro que os X-Men não são os vilões, pediram ajuda para os Heróis Mais Poderosos da Terra. Vingadores e X-Men lutando lado a lado. E tudo isso sendo transmitido pela mídia mundial.
No clímax da batalha final temos Jean Grey vs Cassandra Nova se enfrentando. A batalha é suspensa quando Noturno teleporta a mão de Honey Badger para dentro da cabeça de Cassandra. E então surge a arma secreta dos X-Men.
Trinary alterou uma das sentinitas de Cassandra. Ao invés do nano sentinela provocar ódio e medo, ela inverteu a programação. Agora a infecção promove empatia. A pessoa infectada passa a sentir apreço e se importar com o próximo.
E foi isso que a Honey Badger colocou diretamente no cérebro de Cassandra. A vilão não sera morta, a sua maior punição é sentir empatia e se comover por tudo o que causou para a comunidade mutante.
Não sei se vocês entendem o quão fantástico foi o que Tom Taylor fez com Cassandra nesse desfecho. Ela não apanhou até sangrar, ela não foi presa e muito menos morta. Ela vai sofrer, muito, mas pelo fato de que agora ela consegue sentir a dor do próximo, e ela causou muito dor aos outros.
A revista ainda finaliza pregando um discurso de união, o que combina muito bem com a proposta da HQ como um todo.
X-Men Red, apesar de ter apenas 12 edições (11 mensais + 1 anual), fecha a sua história como um dos runs mais bonitos e bem contados da história mutante. Tom Taylor soube captar a essência dos X-Men como poucos escritores conseguiram até hoje.
A revista ainda consegue utilizar uma série de elementos da nossa realidade para construir a sua narrativa. Nada é por acaso. Nada é exagerado. As campanhas de fake news são reais, as manipulações na internet são reais.
Uma passeata anti-mutante com pessoas erguendo tochas parece algo fora de época em 2018? Pois bem, não esqueçam que em 2017 teve uma passeata exatamente assim, nos Estados Unidos, promovendo o nazismo.
Então sim, vivemos tempos sombrios e revistas como essa são mais do que nunca necessárias. Precisamos refletir, precisamos questionar e precisamos evoluir.
Obrigado Tom Taylor, Mahmud Asrar, Carmen Carnero e Rogê Antonio por nos brindarem com essa linda história.
Referências:
FERREIRA, Cláudia Passos. Seria a moralidade determinada pelo cérebro? neurônios-espelhos,empatia e neuromoralidade. Physis, vol.1 n.21, Rio de Janeiro, 2011. Disponível em:<https://goo.gl/PkNZMK>. Acesso em 22/12/18.
PEREIRA, Juliano da Silva. Algumas reflexões sobre o conceito de empatia e o jogo de RPG no ensino de história. XVII Simpósio Nacional de História, Natal-RN, 2013. Disponível em:<
https://goo.gl/eV9nijt>. Acesso em 22/12/18.
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