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O escritor que foi esnobado pelos fãs da franquia mutante

De forma quase unânime, os mais de 50 anos da franquia mutante foram marcados por três escritores fundamentais: Chris Claremont (Fabulosos X-Men), Grant Morrison (Novos X-Men) e Joss Whedon (Surpreendentes X-Men). Você pode desgostar das histórias deles, entretanto não pode negar as suas relevantes contribuições. Mas tem um quarto roteirista, que também realizou um trabalho espetacular, mas que na época foi esnobado pelos fãs: Jason Aaron.

É consenso entre os leitores da franquia mutante que existe a “Maldição dos X-Men“. Isso é, desde que Chris Claremont, lá em 1991, saiu da revista dos Fabulosos X-Men, nenhum outro escritor conseguiu fazer um trabalho realmente bom e unânime com os heróis.

Ok, como mencionado acima, temos Morrison e Whedon, mas mesmo eles não são passíveis de fortes críticas. E a quantidade de escritores relevantes que passaram pelas publicações dos X-Men é absurda. E todos eles decepcionaram.

Destaco aqui cinco grandes nomes que não conseguiram superar a maldição: Peter Milligan, Ed Brubaker, Matt Fraction, Brian Michael Bendis e Jeff Lemire.

Nenhum dos grandes autores conseguiu agradar os leitores. Montagem: Jamesons.

Mas se tantos roteiristas assim falharam, será que a maldição está mesmo nas revistas? Tenho uma tese de que a “Maldição dos X-Men” é real, mas ela não reside nas publicações mensais, mas nos seus fãs.

Os leitores mais enérgicos da franquia mutante são talvez o que existe de mais tóxico no mercado, pelo menos no lado da Marvel. Nunca estão satisfeitos e para uma franquia que conversa tão abertamente sobre a diversidade, são o público mais conservador da editora.

Imaginem que nesses mais de 50 anos de X-Men, foram criados uma infinidade de mutantes e cada um já foi caracterizado de N maneiras. A questão é que não importa quem é o escritor, ele nunca vai conseguiu montar um elenco que vai agradar a todos (nem ao menos a maioria) e nem usar a caracterização esperada pelos fãs. Sempre vai ter uma parcela enorme que que se decepcionará e, consequentemente, passará a dar o seu hate na internet.

Nesse ponto, Chris Claremon foi um abençoado por fazer a sua história nas décadas de 70/80/90. Já Morrison e Whedon também foram beneficiados, de certa forma, pois no início do século 21 a internet ainda engatinhava.

Vou dar aqui um exemplo bastante prático. Vamos imaginar que um roteirista deseja utilizar a Tempestade na sua HQ. Quais serão as suas escolhas? A Ororo líder dos X-Men ou a sua versão rebelde de colete? Cabelão ao vento ou moicano? Vai usar maiô ou criarão um novo uniforme? Ela terá um relacionamento amoroso? Vai ser com Forge, Pantera Negra ou Wolverine? Cada decisão dessas significa centenas de mensagens criticando o roteirista.

Após ganhar visuais novos nos últimos anos, Tempestade voltou a usar maiô. Coincidência? Foto: Marvel Comics.

Fora as intermináveis discussão sobre poderes nível ômega, coisa que só os leitores levam em consideração. Os escritores literalmente “cagam” pra isso.

E toda essa preocupação exagerada claramente cansa os roteiristas. Por qual motivo um profissional renomado vai ficar escrevendo uma HQ que é impossível de agradar o seu público? Quem vai aceitar um trabalho onde ele vai diariamente receber mensagens de ódio nas suas redes sociais?

É, tem isso ainda, se o escritor fizer algo mais polêmico, tipo revelar que um mutante sempre foi gay, mas não assumido, ele vai ser ofendido, importunado e até ameaçado nas redes sociais. Reflitam comigo, esse comportamento faz sentido dentro de uma franquia que conversa sobre aceitação e liberdade?

Isso aconteceu com o roteirista Brian Michael Bendis, quando ele revelou que o Homem de Gelo é gay. No tweet abaixo, um usuário reclamando que ele mudou um personagem que já tem 50 anos de cronologia. Aparentemente, os heróis podem virar vilões, assassinos, loucos e até cavaleiros do apocalipse, mas gays não.

E já tem roteirista falando que não pretende escrever os X-Men, mesmo adorando os personagens. É o caso de Jonathan Hickman, que após um grande trabalho nos Vingadores, se tornou um dos maiores nomes no mercado e usa o seu twitter para comentar o quão insuportáveis são os X-fãs.

Ele deletou todos os seus tweets, mas no passado ele chegou a postar o seguinte: “Após ver todos os meus amigos escreverem revistas dos X-Men, aqui está o meu conselho sobre roteirizar os mutantes: Não faça isso“.

OBS: Claro que tudo isso pode mudar por uma bolada de grana.

O escritor esnobado

Mas não vamos nos desvirtuar, esse texto é sobre Jason Aaron, o último grande escritor a fazer um trabalho memorável na franquia e que foi tremendamente esnobado pelos leitores.

Seu primeiro contato mais próximo com os mutantes ocorreu em 2008, quando escreveu o arco “Procura-se Mística” na HQ do Wolverine. História muito elogiada.

O dia em que Mística e Wolverine se conheceram, história do Aaron. Foto: Marvel Comics.

O maior mérito de Aaron na franquia foi conseguir estabelecer o Wolverine como um personagem de verdade. Ele não é apenas o cara que corta primeiro e pergunta depois. Que passa o dia resmungando e grunhindo. Muito menos aquele monstro pré-histórico, selvagem e sem nariz.

Logan é um homem com alguns séculos de vida, experiente e que já superou todos os obstáculos que a vida botou em seu caminho. Viajou o mundo e criou raízes em diversos lugares. Já foi X-Man, Vingador, membro da Tropa Alfa e até lutou na guerra.

Algumas das mulheres que moldaram a vida de Logan. Foto: Marvel Comics.

Um homem com uma vivência dessas não pode ser resumido às suas garras, né?

Historicamente Logan é um personagem solitário, mas que mudou ao ser aceito por uma família (X-Men). Desde então ele acabou exercendo, involuntariamente, um lado paterno muito grande. Suas pupilas Kitty Pryde, Jubileu, X-23, Armadura e Idie reforçam bastante isso.

As pupilas do Wolverine. Montagem: Jamesons.

O trabalho de Aaron conversa com esse lado humano do Wolverine, usando não apenas as suas filhas de coração, mas seu irmão e até seu pai ao longo de todo o run. Os relacionamentos amorosos, com a Mística e Melita (personagem nova), apresentam também mais um olhar diferenciado ao canadense.

O escritor também conseguiu provar que o Wolverine é um personagem que combina com todos os tipos de histórias. Em Wolverine: Arma X, ao longo de 16 edições contou uma série de histórias diferentes.

Dos capítulos 1-5 explorou a ideia do Arma X, usando corporações e atualizando todo o conceito. Nas edições 6-9 nos presenteou com um conto de terror psicológico, colocando o mutante em um hospício e introduzindo um novo vilão. No volume 10 tivemos um resgate e desenvolvimento dos seus relacionamentos amorosos. Os capítulo 11-15 foram dedicados ao gênero da ficção científica, utilizando o Deathlok e viagens temporais. Por fim, na 16° história, tivemos a despedida do Logan e de Noturno, uma história sobre amizade.

Jason Aaron brincou com diversos gêneros em Wolverine: Arma X. Montagem: Jamesons.

Jason Aaron fez tudo isso entre 2008 e 2010 e o seu relacionamento mais estreito com os X-Men nem havia começado.

O fenômeno Ciclopaço

Em 2011, Aaron foi o responsável por uma das mais importantes histórias da franquia mutante, o que para o seu azar, fez com que uma série de leitores o esnobassem: o Cisma.

A trama da saga era simples, Wolverine e o Ciclope tiveram uma discordância ideológica e romperam. Na época Scott seguiu vivendo em Utopia com a população mutante, já uma galera deu no pé com o Logan, principalmente os jovens.

O polêmico Cisma Mutante. Foto: Marvel Comics.

A discussão era a seguinte: com a iminência da extinção, Ciclope acreditava que a gurizada precisava estar pronta para o pior, em outras palavras, deveriam ser treinados quase como em um exército. Já Wolverine acreditava no oposto, que lugar de jovem é na escola, aprendendo e não precisando se preocupar em morrer.

Lendo assim parece incoerente e você vai dizer que o Aaron inverteu as caracterizações, mas não. Ciclope estava seguindo a sua trajetória de insanidade que começou lá em Complexo de Messias. Já o Wolverine vinha sendo desenvolvido esse seu lado humano já tem alguns anos, como já mostrei no início do texto.

Eu já falei que os fãs dos mutantes são chatos, né? Pois bem, eles começaram com o que eu batizei de “Fenômeno Ciclopaço”: leitores que passaram a idolatrar o Ciclope como se ele fosse Lula ou Bolsonaro, com o detalhe que Scott Summers é um personagem fictício.

O Fenômeno Ciclopaço se espalhou pela internet. Foto: “Zona Negativa”.

Vocês podem achar que eu to zoando, mas uma enorme parcela de leitores concordou com o Ciclope no Cisma, o que é natural, mas eles passaram a hatear o Aaron e a sua HQ, Wolverine e os X-Men.

Xingavam a revista e o escritor sem motivo algum, possivelmente sem nem mesmo ler a HQ. Mas claro que tudo sempre pode piorar.

Na sequência a Marvel publicou Vingadores vs X-Men, saga que agora colocou Ciclope contra os Vingadores, em uma nova disputa, não ideológica, mas que dividiu os fãs.

Aqueles caras que já hateavam o Aaron e os seus X-Men (Fera, Homem de Gelo, Kitty Pryde, Rachel Grey …), também pegaram um “ranço” dos Vingadores. Não era raro ler por aí comentários como “Vingabobos“. SÉRIO!

Capa emblemática. Leitores polarizados com o Wolverine do Aaron no centro. Foto: Marvel Comics.

Mas Aaron não se amedrontou. Seguiu com a sua história. Wolverine e os X-Men acabou na edição 44, em 2014. Também foi o responsável por algumas edições de Espetaculares X-Men, mas logo saiu. Foi se concentrar na revista do Thor, onde está até hoje, empilhando prêmios e indicações.

A mesma dor de cabeça se repetiu com a saga Inumanos vs X-Men.

O legado de Jason Aaron

Jason Aaron tem muitos méritos na revista Wolverine e os X-Men. Ele fundou o Instituto Jean Grey, que tinha no papel Logan como diretor, mas ele deixava a função para Kitty Pryde e o Fera. Homem de Gelo, que é formado em contabilidade, ficou com a área financeira.

Rachel Grey se tornou uma experiente professora, Escalpo uma coordenadora pedagógica e o Groxo o zelador. Criou novos estudantes como o Ocular, Ninfa, Kid Gladiador e a brasileira Garota Tubarão. Resgatou outros, como Nim, Idie e Quentin Quire.

Aaron é tão dedicado, que ao assumir a revista, desenvolveu um organograma com TODAS as disciplinas e atividades extra-curriculares do Instituto, material que nenhum outro roteirista desenvolveu.

A grade curricular completa do Instituto Jean Grey. Foto: Marvel Comics.

Ele também montou uma lista, com todos os membros do Instituto Jean Grey, desde o staff até os alunos:

Toda a equipe do Instituto Jean Grey. Foto: Marvel Comics.

Infelizmente hoje em dia Jason Aaron não recebe o carinho que merece pela sua contribuição na franquia mutante. Desde que ele escreveu as primeiras histórias do Wolverine até o seu capítulo final nos X-Men, temos cerca de 6 anos.

Hoje ele é reconhecido como um dos grandes nomes do mercado. Venceu o Prêmio Eisner na categoria Melhor Escritor em 2016, tem realizado um trabalho histórico na HQ da Thor e é o mais cotado para assumir a franquia dos Vingadores em 2018.

E se não fossem os fãs, quem sabe ele não estaria até hoje escrevendo os X-Men?

OBS: Caso você seja um leitor que não fica avacalhando o roteirista, torcendo pelo fracasso só porque não gostou da equipe que ele montou, não manda “vai te fo#@& seu mer#@ do cara$#@” nas redes sociais, não fica perturbando a paz alheia com o papo de poderes nível ômega e não usa termos como “CICLOPAÇO” e “Vingabobos“, então esse texto não se refere a você. Parabéns, tu és um leitor sadio, que contribui para o bom funcionamento do mercado. Precisamos de mais gente assim 😀

Redação Jamesons

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