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Mark Waid nos brinda com um início fresco para o velho Dr. Estranho

A iniciativa Fresh Start da Marvel promete ser uma porta de entrada para drogas mais pesadas. Como em outros relaunchs (relançamentos de linha) da editora, várias revistas voltaram ao chamativo número #1 e receberam novas equipes criativas. Um destes títulos é o Doutor Estranho de Mark Waid (Demolidor)e Jesús Saiz (Capitão América).

A revista abre da forma que mais parece agradar o nostálgico Waid: um super-herói de roupas coloridas batalhando contra um monstro gigante enquanto exibe um grande sorriso estampado no rosto. Não por arrogância, mas por reconhecimento do próprio potencial e alegria catártica de ser quem é.

Para enfrentar o problema de uma horda de monstros tentando penetrar nossa realidade, Stephen Strange mescla o que tem de melhor e exibe todo o seu potencial: suas habilidades mágicas e cirúrgicas e sutura o tecido dimensional rompido.

As cores, de um terroso pútrido que destaca a ação nas primeiras páginas e um verde mórbido que acentua as habilidades do mago como curandeiro, passam a ser fortes e chamativas, anunciando a vitória vibrante de Estranho sobre o desafio. O plano geral do início da página vai se fechando enquanto ele não se contém, grita em júbilo quem é e não esconde como se orgulha disso. Nessas 6 páginas frenéticas de abertura da revista, Waid constrói a ideia de que Stephen está em seu auge: é jovem, saudável, poderoso e inteligente. Nada parece poder detê-lo. A página, porém, termina com um painel preto que, como num fade de transição cinematográfico, pode indicar alguma mudança de cenário.

Somos empurrados para sete anos depois e a revista muda de ritmo: o que começou com imagens muito dinâmicas, quadros sobrepondo quadros e um ritmo rápido pontuado por diálogos despretensiosos, é substituído por uma diagramação mais comportada.

Mas não é só visualmente que a narrativa desacelera. A revista nesse ponto passa a ser narrada na terceira pessoa, à moda de livros que contam sobre lendas antigas ou mitos esquecidos. Para situar um pouco com os quadrinhos, lembra um pouco a forma que Paul Dini utiliza para narrar Os Maiores Super-Heróis da Terra. É distante e toma seu próprio tempo, como uma antiga história sendo contada, mas potentes histórias.

Durante a leitura dessa passagem, minha primeira impressão ao entender a proposta do gibi foi uma sensação de déjà vu. A magia da Terra está desaparecendo e o Doutor Estranho tem que lidar com as consequências disso. A lembrança que logo veio à mente foi a fase anterior de Jason Aaron e Chris Bachalo, em que o protagonista precisa lidar justamente com a ameaça do fim de toda a energia mágica. Mas ao ler as cinco páginas em que o problema é desenvolvido, o “já vi isso antes…” logo teve continuidade em um “…mas não dessa forma”.

Com sutileza e didatismo, as cores de Saiz contam a história novamente: ao perder o brilho, Stephen é deixa de enxergar a magia parcialmente. O mundo “comum” fica colorido normalmente e o mundo “mágico” é descolorido com criaturas fantásticas ressaltando em cores.

Lenta e gradualmente, Stephen vai perdendo sua conexão com a magia, a página que melhor resume isso possui 5 quadros, todos com texto. Cada quadro vai diminuindo gradualmente, como o poder de Estranho. O azul frio do personagem ressalta com o vermelho e amarelo quentes do manto de levitação, que representa tudo aquilo que era mais importante para Stephen em alguns painéis antes: todo aquele poder, aquela juventude, aquela magia.

A perspectiva se afasta ao mesmo tempo que os quadros diminuem e os quadros de recordatório decrescem na página, criando uma sensação de declínio, solidão e pequenez. De perda de algo muito precioso e, por fim, da própria identidade.

Mas como tudo na vida, nos acostumamos rápido. Sobrevivemos. A única opção é continuar. Até que não conseguimos mais. Na página seguinte, a falta de magia na vida de Stephen chega a um ponto insuportável: suas mãos que haviam sido esmagadas no acidente voltam a tremer. Ele chegou, novamente, no ponto mais baixo que já esteve em sua vida. A caneca que estava segurando se quebra, assim como seu conformismo.

Um momento desesperado pede uma medida desesperada. O mago vai ao engenheiro pedir conselho. Tony Stark é o homem que já esteve no fundo do poço. Mas ele não dá só um conselho. Como todo homem pragmático, oferece uma solução, as estrelas.

Esse é o momento de mais diálogo do quadrinho. E é importante que seja assim, vemos uma clara diferenciação na postura de Stephen e Tony. É importante delimitar as diferenças e os padrões de cada um dos personagens, principalmente nesse período de MCU onde ambos estão tão parecidos.

Estranho não é apenas o Homem de Ferro da Magia, não é só um playboy branco hétero arrogante, as vezes engraçadinho, com cavanhaque e bom naquilo que faz. É isso também, mas justamente por ser isso, Waid os diferencia na essência. É um roteirista que, afinal, utiliza muito os plots para construir os personagens, enquanto outros preferem fazer o contrário.

A partir do momento que Tony convence Stephen, os balões de recordatório – que haviam sido quase substituídos pelos de fala na cena anterior – voltam a guiar a história. Como na primeira vez em que isso aconteceu, o quadrinho se torna novamente quase um livro ilustrado épico, onde os quadros mais retratam momentos de impacto do que sequências.

A arte sequencial é mais forte pelas cores das ilustrações do que pela relação dos quadros em si. Um vermelho forte marca Stephen em seu momento de crise e queda. Pelas próximas páginas, todas de 4 quadros, Stephen enfrenta a ação acompanhado por aquela narração épica. Até que, depois de salvo e capturado, uma splash page de página inteira acentua sua nave vermelha em fundo amarelo e azul. Uma composição completamente vertical, que indica uma cultura que há tempos ganhou os céus.

 

Na próxima página, de 5 quadros e com ainda mais recordatórios, o vermelho do mago continua destacando-o como um alienígena fora de lugar. E, num planeta em que a magia é proibida, Estranho é preso. Novamente os arredores são de um azul frio, onde sua roupa vermelha o destaca. Assim como na primeira vez que ficou sem magia, preso num ambiente ao qual sente que não mais pertence. Num ponto frio e distante do universo, parece se sentir tão isolado quanto estava em sua própria casa quando a magia o deixou. Não importa o ambiente, sem aquilo que lhe dá identidade, Stephen Strange não se sente ninguém.

Texto: Gustavo Monlevad

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