Desde 2015, quando iniciou a fase “All-New All-Different Marvel” (Totalmente Nova e Diferente Marvel), a editora passou a ser um enorme alvo sob a mira de grande parcela mais conservadora da sociedade. Simplesmente do nada brotaram dezenas, centenas e até milhares de pessoas, que nunca pegaram uma revista em quadrinhos nas mãos, criticando a decisão da empresa de valorizar a diversidade.
Mas pessoas aleatórias não eram o suficiente. Muitos leitores antigos também passaram a se manifestar, criticando fortemente a postura da editora. O mais irônico são as pessoas com o seguinte discurso: “Eu não leio mais as HQs da Marvel desde 1998, pois as HQs atuais são todas um lixo!“. Veja bem, se o indivíduo não lê nenhuma publicação já tem 20 anos, como ele sabe que o material atual está um lixo?
Pessoas com comportamentos semelhantes a esse não são raridade. Basta dar uma breve circulada por alguns grupos de discussão, ou ler os comentários nos principais portais brasileiros e estrangeiros, para identificar o comportamento.
Os comentários mais repugnantes e irritantes partem de sites que não são especializados. Normalmente quem noticia que, por exemplo, o Homem de Gelo agora é gay é alguém que não leu nenhuma revista do mutante. O escritor da postagem, não lendo a HQ, não consegue explicar precisamente os acontecimentos da história e acaba informando de forma errônea o seu leitor, que sai por aí replicando informações imprecisas, pela metade ou até mesmo tendenciosas.
Portais como esses possuem uma zona negativa. Um ambiente em que não se prospera a vida, existe apenas ódio e rancor. Esse local, em português, nós chamamos de “os comentários do post“. É incrível, sempre vai ter gente ignorando os fatos e distorcendo a verdade para enxergar exatamente aquilo que se quer. Utilizando como fonte apenas uma postagem de um portal ou mesmo outros comentários, os comentaristas se retroalimentam de ódio a partir de suas reclamações sobre os quadrinhos que não leram.
Em um primeiro momento é preciso deixar bem claro que não existe essa de que a diversidade da Marvel não vende. Revistas como a da Thor, por exemplo, vende mais do que a versão masculina. A Wolverine, apesar de todas as críticas, possui alguns dos números de vendas mais estáveis da editora. E o Pantera Negra teve a primeira edição vendendo muito mais do que a maioria dos heróis tradicionais.
Mesmo com tudo isso, em março, a Marvel “cancelou” uma série de revistas de diversidade, como: Luke Cage, Gwenpool, Geração X, America, Gaviã Arqueira, Mulher-Hulk e Homem de Gelo. Coloquei entre aspas o cancelou, pois muitos títulos estão se encerrando naturalmente, apesar de não ser o caso de todos.
A lógica para o fracasso de muitas revistas de minoria com personagens de menor expressão é muito simples. Um exemplo de que gosto muito é o seguinte: leitores gays consomem revistas em quadrinhos com personagens héteros, como o Homem de Ferro. Porém leitores héteros não compram revistas com protagonistas gays. A situação pode decorrer pelos mais variados motivos, a maioria envolvendo preconceito.
Mas a questão principal é que não se trata da Marvel estar publicando HQs de diversidade para pessoas que não compram o produto. Os leitores negros, gays e as leitoras estão consumindo SIM o material, mas a parcela “privilegiada” está se negando a consumir o produto, deixando um vácuo nas vendas.
Não vamos achar aqui que o mundo é uma utopia e que a Marvel publica revistas de diversidade por estar preocupada com o tema e que o seu foco principal é conscientização. Não, não é o caso. Ainda vivemos numa sociedade capitalista em que o lucro fala mais alto, logo, se a HQ não vende o que deveria, invariavelmente ela é cancelada.
Apesar disso, ainda existem parcelas de leitores despejando o seu amor nas publicações. Em redes sociais a repercussão quanto a essas HQs cresce cada vez mais.
E tudo isso é efeito dos seus criadores. Se por um lado a Marvel como uma grande corporação é capitalista e desprovida de sentimentos, por outro os seus criadores depositam todo o seu suor e dedicação para entregar o melhor resultado possível. Estes sim têm uma clara preocupação de conscientizar e semear uma geração mais saudável de leitores.
Você pode ter certeza, o público-alvo da Thor, do Homem de Gelo, do Capitão América Sam Wilson, da Miss Marvel e do Miles Morales não passa o dia inteiro comentando coisas negativas e pejorativas na “sessão de comentários do post“.
Se por um lado a Marvel cancelou uma série de publicações que representavam uma série de minorias, de outro ela também anunciou uma série de outros lançamentos, mas que curiosamente muitos sites não reportaram. Confira alguns:
1. Vampira & Gambit: Mini-série em 5 edições que mostrará um dos casais mais famosos do Instituto Xavier tentando acertar as coisas entre eles. A HQ é escrita pela roteirista Kelly Thompson (Gaviã Arqueira).
2. Exilados: Um grupo de personagens de diversas realidades diferentes que precisam salvar o multiverso. O que chama a atenção na composição da equipe são três heroínas de personalidade forte: uma Miss Marvel envelhecida, a Blink e a Valquíria. A publicação será escrita pelo roteirista Saladin Ahmed (Raio Negro).
3. Dominó: Recentemente a Marvel anunciou que a Dominó, mutante que possui a capacidade de alterar as probabilidades a seu favor, ganhará uma HQ solo, bem a tempo da sua estreia cinematográfica em Deadpool 2. Porém a principal novidade é que ela será escrita pela icônica roteirista Gail Simone (Deadpool).
4. X-Men Red: Jean Grey está voltando da morte e já vai liderar a sua própria equipe de X-Men. O grupo ainda conta com a participação da Wolverine e sua side-kick, a Honey Badger. Tom Taylor (Novíssima Wolverine) é o escritor responsável.
5. Tempestade: Uma das mais populares mutantes dos X-Men vai ganhar novamente uma publicação solo em breve. O jornalista e ativista Ta-Nehisi Coates, que também é o responsável pela mensal do Pantera Negra, será o escritor.
No final de 2017 a Marvel promoveu a iniciativa Marvel Legacy. Quem olhou de longe pode ter achado que foi uma grandiosa fase que movimentou toda a editora. Quem assistiu tudo mais de perto identificou que, na prática, o momento serviu apenas para dar uma sobrevida para a maioria das HQs.
A moral é que a empresa prepara um relaunch para as suas principais publicações, a tão falada iniciativa Fresh Start. Então Legacy nada mais foi do que a oportunidade de esticar quase todas as revistas em alguns meses, permitindo que todas elas fossem encerradas adequadamente.
Além do mais, muitos roteiristas, como Sina Grace, de Homem de Gelo, já declararam que continuarão na Marvel, com novos projetos. Mais revistas diversas devem surgir, possivelmente, mais adequadas ao público, para evitar a onda de hate que foi quase fatal.
Os leitores podem ignorar a mensal do Homem de Gelo, mas e se ele tivesse a sua própria equipe de X-Men e a liderasse? E se fosse Sina Grace o escritor da publicação? Pois é isso que a sinopse da última edição de Homem de Gelo indica. Uma revista de equipe dos mutantes certamente venderá mais, terá um maior apreço junto aos leitores e ainda poderá transmitir os mesmos valores de diversidade para o público em geral.
Essa situação pode se repetir em vários outros futuros lançamentos ainda inéditos. Apesar de canceladas, a maioria das HQs foi bastante elogiada pela crítica e pelos leitores que as acompanham. Pois como falamos esses dias, ainda tem muitos “leitores que não leem as HQs“.
A Marvel, desde 2012, tem colecionado diversas indicações a prêmios Eisner (o Oscar dos quadrinhos). Separamos aqui uma singela lista com a maioria:
Vencedor: Demolidor 7, pela categoria Melhor Edição Única.
Vencedor: Demolidor, pela categoria Melhor Série Contínua.
Indicado: Ultimate Spider-Man, pela categoria Melhor Série Contínua.
Vencedor: Mark Waid, pela categoria Melhor Escritor.
Indicados: Chris Samnee, Paolo Rivera e Marcos Martin na categoria Melhor Desenhista.
Indicado: Gavião Arqueiro, pela categoria Melhor Série Contínua.
Indicado: Gavião Arqueiro, pela categoria Melhor Nova Série.
Indicado: Matt Fraction, pela categoria Melhor Escritor.
Vencedores: David Aja e Chris Samnee, na categoria Melhor Desenhista.
Vencedor: Gavião Arqueiro 11, pela categoria Melhor Edição Única.
Indicado: Gavião Arqueiro, pela categoria Melhor Série Contínua.
Indicado: Kelly Sue DeConick, Matt Fraction e Jonathan Hickman, pela categoria Melhor Escritor.
Indicado: Marvel 75th Anniversary Celebration 1, pela categoria Melhor Edição Única.
Indicado: Gavião Arqueiro, pela categoria Melhor Série Contínua.
Indicado: Demolidor, pela categoria Melhor Série Limitada.
Indicado: Miss Marvel e Rocket Raccoon, pela categoria Melhor Nova Série.
Indicado: Rocket Raccoon e Superiores Inimigos do Homem-Aranha, pela categoria Melhor Série de Humor.
Indicado: Jason Aaron, Kelly Sue DeConick e G. Willow Wilson, pela categoria Melhor Escritor.
Indicado: Adrian Alphona e Mike Allred, pela categoria Melhor Desenhista.
Vencedor: Surfista Prateado 11, pela categoria Melhor Edição Única.
Indicado: Surfista Prateado, pela categoria Melhor Série Contínua.
Indicado: Garota Esquilo, pela categoria Melhor Nova Série.
Vencedor: Jason Aaron, pela categoria Melhor Escritor.
Indicado: G. Willow Wilson, pela categoria Melhor Escritor.
Indicado: Mike Allred e Erica Henderson, pela categoria Melhor Desenhista.
Indicado: A Poderosa Thor, pela categoria, Melhor Série Contínua.
Vencedor: Visão, pela categoria Melhor Série Limitada.
Indicado: Harpia, pela categoria Melhor Nova Série.
Vencedor: Garota Esquilo, pela categoria Melhor Publicação para Adolescentes (13-17 anos).
Indicado: Chelsea Cain, pela categoria Melhor Escritor.
Indicado: Brian Stelfreeze, pela categoria Melhor Desenhista.
Indicado: Gaviã Arqueira, pela categoria Melhor Série Contínua.
Indicado: Pantera Negra: Mundo de Wakanda, pela categoria Melhor Série Limitada.
Indicado: X-Men: Grand Design, pela categoria Melhor Série Limitada.
Indicado: Raio Negro, pela categoria Melhor Nova Série.
Ao todo foram 44 prêmios e/ou indicações ao Eisner por parte da Marvel desde 2012. Destaco aqui que omiti os vencedores e indicados em categorias que não eram pertinente ao debate do post, mas que são igualmente importantes na composição de uma HQ, como os Melhores Letristas, Capistas e Coloristas, por exemplo.
Mas esse tanto de prêmio mostra que, ao contrário do que querem te fazer acreditar, a qualidade das revistas não está ruim. E observem atentamente quantas revistas femininas, com personagens negros e até deficientes estão entre as melhores. O povo que pede a volta dos clássicos, como se isso significasse qualidade, não deveriam estar clamando por mais diversidade, uma vez que é onde a qualidade aparenta estar?
Eu sempre digo, qualquer um com o mínimo de conhecimento do mercado de quadrinhos estadunidense poderia ver que essas mudanças em algumas identidades secretas dos heróis não era definitiva. Isso já aconteceu muitas vezes no passado e tudo sempre voltou a ser como era.
É preciso entender que o mercado é cíclico. Isso é, as coisas possuem um status quo tradicional, as mudanças ocorrem em torno desse status, mas cedo ou tarde, tudo volta ao tradicional. CEDO OU TARDE.
O status não voltar ao tradicional significaria que a Marvel estaria jogando as propriedades intelectuais de identidades como Peter Parker, Tony Stark e Bruce Banner no lixo, para passar a usar, para sempre, Miles Morales, Riri Williams e Amadeus Cho. Faz sentido para você? Pois é.
A Marvel NUNCA prometeu que essas mudanças eram definitivas. No passado Ben Reilly, James Rhodes e Rick Jones também já assumiram essas identidades, e tudo voltou ao status quo tradicional. Quem reportou que essas mudanças eram definitivas, ou que deveriam ser, foram os portais não especializados, que como comentamos lá no começo do texto, são tóxicos.
Esses períodos são fases que duram cerca de 2 a 5 anos. Os sites que repercutem as novidades, como se fossem definitivas, ou não conhecem o mercado ou estão mal intencionados. Novamente, faz sentido a Marvel jogar no lixo propriedades intelectuais tão fortes? Não faz, é por isso que ela jamais o fará.
Nesse meio tempo, alguns novos heróis podem surgir, se destacar e continuar recebendo atenção, já outros vão cair no esquecimento. E o que definirá isso não é sua etnia ou orientação sexual, mas a capacidade do roteirista de criar boas histórias com ele.
Atualmente muitos heróis clássicos estão voltando. Steve Rogers já é o Capitão América novamente, a Thor teve de sacrificar o seu manto, Homem de Ferro deve estar 100% ativo na sua comemorativa edição 600 e o Hulk retornou no arco No Surrender.
Mas isso não significa o fim da diversidade. Significa o final dessa fase, mas todos os personagens que se destacaram, continuarão a ter o seu espaço no sol, assim como novos lançamentos.
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