Peter David rebate argumento de que quadrinhos são entretenimento apenas para crianças

No final de 2018 o humorista norte-americano Bill Maher soltou algumas declarações bastante polêmicas sobre o universo das histórias em quadrinhos. Nessa semana, no entanto, ele voltou a tocar no assunto e causou novo constrangimento.

Basicamente, o comediante atacou a comunidade que lê e acompanha filmes, séries e jogos dos super-heróis, atribuindo a essas pessoas um comportamento infantil. Nas palavras dele: “Você pode, se quiser, gostar exatamente das mesmas coisas de que gostava quando tinha dez anos, mas se você gosta, precisa crescer.”

A manifestação do humorista foi extensa e cansou uma série de reações na comunidade, com vários leitores e principalmente profissionais que trabalham nessa área criticando o apresentador de TV.

Peter David. Foto: Frazer Harrison/Getty Images.

Uma das manifestações mais lúcidas sobre o assunto veio do escritor veterano Peter David (X-Factor), que explicou de forma muito didática o motivo de histórias em quadrinhos não serem uma mídia exclusivamente infantil, mas algo para todos os públicos. Confira o seu depoimento traduzido na integra:

Bill Maher nos informou, tanto no Twitter quando em seu programa, que histórias em quadrinhos são para crianças e que os fãs são basicamente palermas incapazes de aceitar a vida adulta.

Então vamos falar sobre fãs.

Fãs amam discutir. Gostam principalmente de discutir quem seus heróis podem derrotar. E ocasionalmente eles se reúnem em multidões que às vezes ultrapassam cinquenta mil pessoas. Eles pagam taxas altíssimas para entrar e muitos se vestem como seus favoritos. Onde se reúnem, eles se empolgam com seus favoritos, se emocionam juntos, comem e passam o tempo juntos. Eles compram muitas mercadorias, gastando centenas de dólares de uma só vez. Se forem sortudos, conseguem autógrafos e vão para casa felizes. Caramba, em algumas ocasiões especiais eles até comparecem a desfiles dedicados aos seus heróis.

E eu estou falando dos fãs de times de beisebol, futebol e basquete.

Caramba, Bill Maher até lucra com isso, uma vez que ele comprou uma ação minoritária de um time em 2012.

E todos esses jogos… envolvem bolas. Não é interessante isso? Bolas grandes, pequenas, umas que pulam, outras que são atingidas, outras arremessadas. Bolas, que são, – como você deve saber – um dos brinquedos favoritos dos bebês.

E ainda assim, ninguém, nem mesmo o Bill Maher que lucra com isso, acusa os fãs de esportes de serem infantis. Ou de serem adultos “crianções”. Encha um bar cheio de fãs brigando sobre quem vence entre dois times de beisebol e ninguém dirá algo como “Meu Deus, vê se cresce.”

Isso porque, como Neil Gaiman apontou, se você têm histórias que são contadas apenas com palavras, então elas são livros e isso é coisa de adulto. Se tiverem apenas imagens, então é arte, o que também é para adultos. Agora, a partir do momento que você une as palavras e as imagens, alguns babacas acreditam que isso é entretenimento voltado apenas para crianças.

Eu já disse isso antes, mas vale a pena repetir: histórias em quadrinhos não são infantilidades. Histórias em quadrinhos são mitos modernos. A definição de mitos é algo que é definido por sua própria essência. Se você pergunta para alguém “Quem é Gomez Addams?” eles irão responder “Ele é um personagem criado por Charles Addams.” Se você perguntar “Quem é o Superman?”, as pessoas provavelmente responderão “Ele é um super-herói, o último filho de Krypton, cuja identidade secreta é Clark Kent.” Da mesma forma, se você perguntar quem é o Hércules, as pessoas responderão que ele é o filho semideus de Zeus. As pessoas que acham o Homem-Aranha o máximo são tão adultos quanto quem estuda lendas arturianas. O fato de que isso acontece em tempos modernos e que conhecemos seus criadores não os torna menos míticos.

Nem o sucesso multi-bilionário de seus filmes são provas de seu atrativo em crossovers, segundo Maher. “Eles são todos iguais!”, ele declara, afirmando que TODOS os filmes de quadrinhos são sobre super-heróis lutando por “coisas brilhosas” (como atletas brigam sempre por uma bola, lembre-se). A resposta curta é ‘Ah, tá! Pantera Negra é igualzinho Mulher-Maravilha (nenhum dos dois tem algo brilhante envolvido)’. A resposta longa é ‘Ah, tá! Super-heróis brigando por coisas brilhosas é uma descrição bem correta de MIB – Homens de Preto; ou Estrada Para Perdição; ou Kingsman – Serviço Secreto; ou V de Vingança; ou Do Inferno; Ou 300; ou Sin City – A Cidade do Pecado; ou Anti-Herói Americano; ou Atômica; ou Ghost World – Aprendendo a Viver; ou Dredd; ou Scott Pilgrim Contra o Mundo; e vários outros.

Mas, Maher continua a insistir que gibis não são literatura. Bem, vamos tentar desvendar isso. O dicionário define literatura como: trabalhos escritos, especialmente aqueles considerados de mérito artístico superior ou duradouro. E o que é mérito duradouro? Parece sensato assumir o óbvio: algo que dura. Que transcende gerações. Então Action Comics #1, que foi produzida há mais de oitenta anos, ainda tem impacto, parece satisfazer essa definição, assim como o Homem-Aranha, criado há mais de 55 anos. Mas talvez devêssemos ir além. Talvez literatura precise ser aclamada pela crítica. Como Watchmen foi quando venceu o Hugo (prêmio para obras de ficção e fantasia). Ou como Sandman, quando ganhou o Prêmio Bram Stoker (que premia obras de terror). Ou como Maus, quando venceu o Pulitzer (maior prêmio do jornalismo).

Quantos Pulitzers você tem na sua estante, Bill?

Eu não estou revoltado com o Maher porque ele veio falar mal dos fãs. Só Deus sabe como eu mesmo já fiz isso. Eu estou revoltado porque ele veio falar de coisas que são factualmente erradas, claramente inadequadas e incrivelmente injustas. As palavras dele têm origem na ignorância, e eu espero que ele faça algo, qualquer coisa, para se educar sobre o assunto.

PAD”

Peter David explicou de forma bastante didática como os quadrinhos não são só uma mídia exclusiva para o público infantil. Na verdade, há material para todos os públicos.

Sim, existem HQs destinadas para crianças, mas há produtos sendo vendidos para os mais diversos nichos. Desde autorais, super-heróis, revistas com discussões sociais fortes, outras com apenas aventuras, material com violência explícita … a variedade é extensa.

Então sempre que ver alguém atribuindo os quadrinhos como algo exclusivamente infantil, lembre-se das sábias palavras de Peter David.

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